Enquanto isso naquele consultório de atendimento psicológico, próximo ao ponto de táxi, em uma movimentada avenida de São Paulo…
— Então, doutor, não gosto de lembrar disso…
— Do quê? Só lhe perguntei se gosta de escrever…
— Gosto e não gosto.
— Explique-se melhor.
— Adoro. Mas escrevo sempre sobre minhas emoções, meus desejos, sentimentos muito meus. Por isso, sempre foi algo assim, como direi, clandestino, sigiloso.
— Por quê?
— A princípio, eu mesmo não gosto de me expor publicamente. Depois eu era casada e meu marido não entenderia. Aliás, como não entendeu… Também, pudera, os poemas desvendam minha alma que, óbvio, nada tinha em comum com ele.
— Ah!
— Doutor, doutor, está me ouvindo?
— Claro que sim. Continue.
— Meus poemas têm uma história infinitamente triste. Meu ex descobriu meu baú encantado e deu para o juiz ler. No dia da minha separação, eu tive de ouvi-los em voz alta como prova cabal da minha traição. Difícil, triste…
— Como você reagiu a essa, digamos, invasão de privacidade?
— Fiquei atarantada. Só repetia: poemas são poemas.
— Desde quando você escreve?
— Escrevo poemas desde menina, desde que comecei a escrever. Naquele dia, me senti a Maria Madalena entre pedras, entende?
— Entendo.
— Foi o dia mais cruel da minha vida. O doutor, se quiser, pode incluir esta história na sua tese de doutorado. Sobre o que é mesmo o seu estudo?
— Mulheres que amam demais.
— Ah! Então cabe bem a história dos poemas condenados.
— Pode ser que use, sim.
— Vou lhe contar mais, então. Naquele dia eu jurei não ter nenhum papel que pudesse me ligar a alguém. Não precisar de juiz, nem de juízo. O doutor me conhece. Pode imaginar a cena que vivi?
— (…)
— Foi assim que tudo acabou como acabou. Mas, no meu primeiro poema, eu profetizava:
“Vou embora e levo
só o beijo que roubei
e nunca te fez falta.”
Mas, juro, doutor, não havia traição e eu continuo repetindo: poemas são poemas e poeta tem direito ao perdão. O doutor concorda?
— Talvez. Mas já deu a nossa hora. Terminamos a terapia por hoje. Estou atrasado para o meu outro trabalho.
— O doutor atende em outro consultório, tem uma clínica?
— Não, não. Sou taxista. Ao volante, ouço as pessoas de graça, por ouvir. Mas cobro a corrida e uma taxa extra por histórias. Quer aproveitar? Aonde a senhora mora?