Da janela do apartamento viu os fogos espocarem ruidosos e coloridos a anunciar o novo ano.
Saudou a noite clara, e imaginou a confraternização das pessoas.
Estava só.
A mãe e o pai foram para o litoral – e estranharam quando, dias atrás, a filha não topou acompanhá-los, e lá se juntar ao restante da família.
Lembrou o espanto da mãe, com a decisão.
— Mas, você gosta tanto da algazarra da praia, de rever os primos.
Ia completar dizendo que a viagem era uma tradição entre os parentes, mas respeitou o silêncio da moça. Preste a completar 30 anos, ela deveria saber o que estava fazendo.
— Tem alguma coisa em vista?
Outra pergunta da mãe que ficou sem resposta.
Um sacudir de ombros da filha deu a exata noção de que deveria encerrar o assunto por ali.
II.
No apartamento às escuras, agora ela reviveu a cena – e resolveu telefonar para a mãe.
Foi curta nos cumprimentos.
Desejou felicidades a todos – e não deu maiores satisfações.
Disse que estava bem – e que este seria um começo de ano inesquecível.
Propôs um brinde ao Novo Ano que prometia…
III.
Só então deu início ao ritual que programara para si.
Foi à geladeira, pegou a garrafa de champagne e serviu-se em taça de cristal.
Brindou à nova mulher que nascia naquele exato instante.
Às favas, as convenções, pensou.
Lentamente, despiu-se – e caminhou para o banho de essências que se esmerara em preparar. Cuidou para não molhar o cabelo. Perdera horas no salão para ajeitá-lo de um jeito mais sensual, provocativo.
IV
Ficou ali, na banheira, hora e tanto. A deliciar-se bebericando…
Calmamente retirou a lingerie da embalagem. Destacou a etiqueta, com um sorriso e a sensação de que era mais um luxo seu do que propriamente uma peça de sedução. Nesses momentos, quase sempre os homens são tão afoitos.
Do guarda-roupa, sacou o vestido longo, quase uma túnica, de linho branco, algo transparente. Tão simples de vestir quanto de despir.
Olhou-se no espelho, ajeitou os cabelos – e gostou do que viu.
Ele não resistiria.
V.
Mal terminara de calçar as sandálias, ouviu um toque de buzina já conhecido seu.
Da mesma janela, ainda viu o carro estacionar.
Só então abriu as cortinas por inteiro e deixou que o luar, com sua luz azulada, banhasse tênue a sala.
Ligou o som.
Acendeu as velas que ornamentavam o centro da mesa.
E aguardou serenamente que a campainha soasse.
Sabia quase nada dele.
E daí?
Às favas, as convenções…
Era uma mulher livre, e afim.
O Novo Ano prometia.