Tudo o que eu queria era um tantinho de paz para assistir ao jogo entre Estados Unidos e Gana.
Ao meu lado, o amigo Escova não está nem aí para o telão do bar temático que exibia a partida.
É bom que se esclareça: Copa do Mundo para Escova vai muito além das quatro linhas de qualquer estádio do Planeta.
Pra o Dom Juan das quebradas dos mundaréus, há sempre uma história, um amor, outro sonho desfeito…
Ainda comemoro o primeiro gol de Gana, quando ouço a voz emocionada do amigo:
— Eu a conheci no primeiro jogo da Copa de 94. Em pleno esplendor da Era Dunga. Até entendo a chatice daqueles jogos. Toda arte e beleza eram delazinha. Foi paixão à primeira vista… Quando o italiano Baggio mandou aquele pênalti nas nuvens quase nos acertou. Nosso amor já estava nas alturas, meu caro.
Gosto de ver o jogo na minha. Quieto, degustando lance a lance. Seria deselegante da um “chega pra lá” no Escova. Imagino que a história acaba aí.
Ledo engano.
Há um segundo capítulo.
— Então, nunca lhe contei. Mas, em 98, lembra que eu tirei férias da redação? Pois é, viajamos juntos para Paris. A ideia era ver a Copa. Mas, qual o quê. Estávamos embalados. Sequer assistimos a um dos jogos. Nem pela TV. Também, você há de convir comigo: existe cidade mais romântica que Paris? Quer saber? Eu já tinha uma intuição que perderíamos na final. O Ronaldo ficou mal, né? Mas, eu me dei bem! Inesquecível, cara, inesquecível.
Pra ser sincero, nunca sei se o Escova viveu tudo o que diz que viveu. Ou se ele imagina ter vivido tudo o que diz que viveu. Pode ter até um fundo de verdade, mas os arabescos românticos desconfio que inventa.
Que ele tirou férias naquele ano em junho tirou mesmo.
Lembro que a Dona Encrenca, a Sra. Escova, invadiu a redação em meio ao jogo contra a Holanda querendo saber do paradeiro do moço. Assim como ela, não tínhamos o menor indício do paradeiro do Escova, o tal que agora é só recordação:
— Em 2002, já estávamos separados. Cada um para o seu lado. Foi a Copa mais triste da minha vida, juro. O time do Felipão ganhando jogo após jogo naquele desespero – e tal. Todo mundo feliz nas ruas e eu a curtir a minha dor. Tão esquecido por ela quanto o Romário foi pelo Felipão. Foi triste, meu caro. O único instante em que me diverti foi quando o Vampeta deu aquela cambalhota na rampa do Palácio do Planalto. Eu entendi perfeitamente o sentido daquele gesto. Além de ter tomado todas naquele dia, minha vida também estava de ponta a cabeça.
Os Estados Unidos já empataram a partida na cobrança de um pênalti, no mínimo, duvidoso.
O jogo promete esquentar. O Escova está, em silêncio, a remoer suas lembranças.
Fim de caso. O que mais poderia ter acontecido?
Esqueci que o Escova tem o dom de ler pensamentos.
— Pois vou lhe dizer o que aconteceu. Em 2006, também durante a Copa, a gente tentou uma reconciliação. Era quis saber se eu continuava casado. Mas, aí, eu desconversei. Não a via há tanto tempo – e aquele não era um jeito bom de retomar a nossa história. Eu estava cheio de amor pra dar – e ela querendo por tudo em pratos limpos. Ficamos no jantarzinho. Soube depois que ela viajou para Alemanha, com um gringo que lhe prometeu casamento. Não se pode confiar nas mulheres…
O jogo está emocionante. Gana faz o segundo gol no início da prorrogação. Perco a paciência – e peço para Escova parar de falar, pois quero ver os minutos finais.
— Não me leve a mal, amigo. Estamos em 2010, num bar temático, para ver um dos jogos da Copa. A moça casou e mudou, não é? Fim de papo. Nada mais vai acontecer, ok, Escova?
— Você que pensa, camarada. Você acha que eu viria até aqui à toa? Ver esses otários correndo atrás de uma tal de Jabulani, hein, hein? Adivinhe quem eu estou esperando? Elazinha, meu caro, elazinha…