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No meu tempo

por Carolina Tavares

Nunca gostei de rock. Fato. Cresci ouvindo música sertaneja, samba e Elis Regina, por causa da minha mãe. Elis também não gostava de rock. Eu tinha 11 anos quando ouvi rock pela primeira vez, numa viagem do colégio. A música era Primeiros Erros, do Capital Inicial. Foi aí que comecei a escutar esse som. Mas ainda preferia Como os Nossos Pais.

O que eu não sabia é que, anos depois, eu ouviria essa mesma música ao vivo e pessoalmente, da boca do próprio autor, “senhor Kiko Zambianchi”. Mais do que isso, eu descobriria as influências e os influenciados, eu seria a contadora oficial dessa história chamada Rock Nacional.

A idéia não me empolgou muito, mas eu precisava fazer, então, mãos a obra. A década de 50 era minha. Faz tanto tempo, eles já devem ter morrido! Mas não ele, o Sérgio Benelli. Foram inúmeras ligações e aquela mulher não me deixava falar com o senhor de 71 anos. Eis que eu recebo um e-mail: “Carol, está marcado. Sexta-feira, 14h. Vá buscá-lo, o endereço é…”.

Não conheço nada em São Paulo. Moro em Santo André desde que nasci, em São Bernardo do Campo. Só saí do Grande ABC para trabalhar. Por motivos óbvios, me perdi no Centro da cidade grande naquela sexta-feira, mas cheguei a tempo no prédio de número 158. Pela porta de vidro fume vi o topete. Como ele ainda o mantém em pé? Afinal, foram três filhos e muita história para contar.

Pensei que não ia ter o que conversar, mas ele tinha muito assunto para colocar em dia. O trânsito ruim; o dia que trocou a guitarra pelo violão, há 15 anos; o café sem açúcar que ele toma, por causa do livro que está lendo, sobre os malefícios da substância. Você sabia que açúcar refinado faz mal para a memória? Ele sabe. E não lhe falta memória.

Senhoras e senhores, apresento-lhes o rocker Tony Campello, o homem que pirou a cabeça dos adolescentes no início disso que chamamos Rock’n Roll. Hoje, sem o Roll. Pelo menos foi essa a impressão que o homem nos deixou, vestido com tênis, camiseta roxa e blusa da Confederação Brasileira de Futebol – CBF, que ganhara do filho, preparador técnico da seleção sub-17. Irmão da Celly Campello, aquela que canta Estúpido Cupido e tantas outras canções que embalam festas de formatura e casamento, ele viu sua vida mudar em uma semana. Os irmãos foram descobertos na sexta-feira, gravaram na segunda e viraram ídolos do Brasil.

A verdade é que o país estava descobrindo o que era esse tal de rock, já que a primeira canção oficial do estilo, uma versão de Rock Around the Clock, interpretada oficialmente por Bill Halley and His Comets, foi gravada pela sambista Nora Ney, em 1.955. Isso sem contar que a primeira música roqueira essencialmente brasileira foi interpretada pelo cantor romântico (e inspiração de Tony para suas imitações) Cauby Peixoto. Dá para acreditar?

Quando surgiram os irmãos Campello, rockers na atitude e nas canções, o público foi à loucura. As roupas eram outras. Ninguém mais precisava usar gravata para entrar no cinema. A dança era o twist e estava liberada, junto com a cuba livre. O momento era de desenvolvimento econômico com o presidente Juscelino Kubitschek. Mas a hora era deles. Os anos de 58 a 65 passaram como um foguete que deixou seus rastros, até hoje. Pelo menos era o que narrava o brilho nos olhos de Tony, ao contar toda essa trajetória, em cerca de quatro horas de entrevista.

Eu não gostava de rock. Não podia entender, com 11 anos e uma música, a história que estava por trás daquilo tudo. Não foi fácil para Tony e Celly provarem, com seus 21 e 15 anos respectivamente, que não eram rebeldes sem causa. Eram apenas adolescentes que queriam cantar numa moda “Elvis Tupiniquim”. Não foi fácil para mim, entender a importância disso tudo, o movimento que uma música simples como Boogie do Bebê representava.

Todos esses fragmentos que pessoas como Tony e Kiko me contaram agora fazem sentido. São impressões de um país que estava cansado de lutas políticas e fugia de algumas repressões através da música. Aonde chegamos com tudo isso?

Diga-me você, caro leitor.

Se quiser saber o que Tony pensa, para ele não há mais espaço. As rádios estão massificadas e o mundo é outro. Senhor Campello, obrigada pela regressão. De repente, passo a sentir falta de um tempo que não vivi. Ah! E bem-vindo ao meu mundo, esse lugar chamado século XXI.