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No trem das cores…

Desconfio que seja influência dessas manhãs geladas.

Penso que já fui mais resistente ao frio.

A verdade é que, enquanto ando pelo apartamento feito um robô de tanta rigidez nos ossos e músculos, acabo por lembrar de outro rigoroso dia de inverno em tempos idos.

Fico instado, mesmo que tardiamente, a esclarecer (e tornar pública) uma dúvida antiga.

Leiam!

Ano santo e inesquecível de 1986.

Estávamos no trem que nos levaria de Madri a Paris.

Inverno pesado.

Por estar mal agasalhado, pelo desconforto do vagão de segunda classe, pela paisagem de chumbo que víamos pelas janelas, pelo cansaço natural dos viajantes… Por tudo isso, e mais algumas aflições que agora não me ocorrem, a viagem parecia interminável, e impiedosa.

Havia até a probabilidade de uma nevasca a nos surpreender, mais à frente, em meio às montanhas que faria o comboio esperar, horas e horas, numa pequena estação nos cafundós dos Pireneus.

Sou por natureza um cético.

Então, tentei me preparar para o pior.

Mas, não tive lá muito tempo para as habituais lamentações.

Numa das paradas, vi o vagão em que viajava ser invadido por jovens (deviam ter 20 anos, se tanto) que logo deram uma atmosfera toda especial e ruidosa ao espaço.

Menos mal, de tédio já não se podia reclamar.

Roupas coloridas, cabeleiras no estilo, sorriso nos rostos corados pelas rajadas de vento.

Enfim, a linda vitalidade dos que ousam sonhar.

Com eles, estava um rapagão mais vivido (aí por volta dos 40) com uma batuta na mão – e, me pareceu, no comando da trupe.

Logo ordenou que a rapaziada fizesse silêncio e se pusesse de pé entre as fileiras de bancos.

Que todos olhassem para o tal.

E, assim que movimentou a batuta no ar, a galerinha se pôs a cantar lindas canções do folclore basco.

Que agradável surpresa!

Ficamos extasiados.

O tempo passou ligeiro.

A neve entendeu que, inspirada pelos jovens cantantes de San Sebastian, poderia continuar sua trilha, mas despencaria do céu em ritmo adequado – e, assim não causaria nenhum estrago mais drástico àquele inesquecível naco do mundo.

A meninada formava uma coral que participaria de um festival de música em Paris.

Feliz coincidência.

Hoje essas cenas me parecem remotas, parte de um sonho.

Lembro que o maestro, assim que soube que éramos brasileiros, veio conversar com a gente.

Adorava nossa música.

Conhecia e admirava, nossos artistas. Tom Jobim, Ben Jor, Gilberto Gil, Elis Regina, Hermeto, Caetano Veloso.

Aliás, sobre Caetano, o jovem maestro tinha uma inconfidência a nos fazer.

Foi exatamente este mesmo trajeto que inspirou o baiano a compor a insinuante “Trem das Cores”.

Só que Caetano fez o percurso numa ensolarada primavera, quando as paisagens são belíssimas.

Marotamente, o maestro disse que, naqueles dias, Caetano não viajava só. Estava acompanhado da exuberante Sônia Braga que, na verdade, foi sua musa inspiradora bem mais que as montanhas, as paisagens e o trem.

Não levei em consideração a parolagem do homem.

Naquele dia, vou ser sincero, sequer atentei para o detalhe.

Ainda não havia a disseminação das famigeradas fake news, mas, convenhamos, a turminha sempre foi chegada a um exagero. Fosse, ali, entre as montanhas da Espanha, fosse em qualquer outro lugar do Planeta.

Concordam?

Hoje, no entanto, bateu uma pontinha de fina curiosidade – e a dúvida que citei no começo do texto.

Tantos anos se passaram, será que…?

Enfim…

Procurei o disco Cores e Nomes nos meus guardados.

Foi lançado em 1982.

Abri o encarte e lá está, encimando a letra da dita canção, a dedicatória, sutil e elegante:

‘Para Sônia’

Eita que o moço tinha razão.

*Caetano amanhã completa 77 anos. Vida longa ao baiano de Santo Amaro da Purificação…

1 Response
  • VERONICA PATRICIA ARAVENA CORTES
    7, agosto, 2019

    Deliciosa história para um dia gelado

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