Talvez pelo nome que lhe deram na pia batismal, João…
Talvez porque sempre fora quieto, na sua; meio diferentão…
Talvez por outro motivo qualquer que nunca soube explicar…
Talvez…
II.
Fato é que esperava pela noite de São João assim como a maioria dos mortais aguarda ansiosamente a noite do reveillon.
Era mesmo uma maneira inusitada de contar o tempo, vestir roupa nova e renovar promessas, sonhos. E algumas fantasias também; o olhar de Ligia, por exemplo.
III.
Não tinha lá boas recordações das viradas de ano. Achava tudo aquilo artificial, a festa, as pessoas sorrindo e confraternizando-se; bêbadas, generosas e obrigatoriamente felizes.
Felizes, expansiva e ruidosamente felizes, como ele, João, nunca soube ser.
IV.
As melhores recordações vinham mesmo das noites de 24 de junho que vivera na infância.
A fogueira que a vizinhança armava em frente às casas, junto ao meio fio – quase não havia carros nas ruas.
A mesa de quitutes à disposição de todos, junto a parede de uma das residências.
Os adultos a formar grandes rodas nas calçadas, sentados em cadeiras que traziam da própria residência.
A correria das crianças em meio a brincadeiras que se inventava na hora – pega-pega, como-está-fica, passa-anel, entre outras.
O cenário se completava com o céu pipocado pelas luzes das estrelas e das tochas dos balões.
Tão lindo e inesquecível quanto os olhos extasiados de Ligia, diante das labaredas da fogueira.
V.
Ligia Maria, a menina mais bonita da rua.
Era filha do doutor dentista, fazia aulas de piano e ballet.
Para aquela vila de operários e suburbanos, uma legítima princesa.
Todos os garotos queriam namorá-la.
João, inclusive.
VI.
Numa daquelas noites de São João, os adultos insistiram para que se formassem os pares para a dança da quadrilha.
João hesitou – era tímido, mas não teve como escapar.
O acaso se fez generoso.
Foi o noivo.
Adivinhem quem foi a noiva?
Exatamente. Ligia.
VII.
Foi a vez que estiveram mais próximos.
Foi a vez de João sentir-se o mais feliz dos garotos da face da terra.
Só as crianças têm esse dom de maravilhar-se, e domar o efêmero.
Eternizar o momento.
VIII.
Talvez seja o que ele ainda procure nessas noites de junho.
Com seu jeitão tristonho, preserva o menino sonhador que um dia foi – e sempre será.
Ao seu modo, ainda espera ser feliz, como cada um de nós; meninos crescidos e sonhadores.
Que São João acenda a fogueira dos nossos corações.