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Nosso amigo Snoopy *

Nunca soubemos seu nome verdadeiro.

Aliás, naquele boteco que desapareceu para a construção da portentosa Estação Sacomã do Metrô, não sabíamos quase nada de ninguém. Do Snoopy, menos ainda,

Snoopy era assim que o chamávamos; nós, os tronchos e os desvalidos que habitavam o local, dia sim e outro também.

Para pertencer a tal confraria, não era preciso muito. O cara deveria resistir à meia-dúzia de tragos, não dar vexames e, sempre que possível e quando invocado pela turma, ser um bom contador de histórias.

E o cara ia bem em todos os itens. Mas, gostávamos mesmo dos seus causos que, inevitavelmente, envolvia celebridades, artistas e nomes da alta roda paulistana.
Snoopy não dava pinta de ser durango, como quase todos ali. Achávamos que era empresário ou algo do gênero. Não ostentava, vestia-se com rigor, mas sobriamente; mas, pelas conversas, identificávamos suas origens, digamos, nababescas.

Em idade, ele se aproximava do Nasci – um tanto mais velho que nós.

– O cara é um aristocrata – disse certa vez o Ferrugem, outro coroa do lugar, e completou:

– Aposto que vive de herança da família.

Não assinamos embaixo, mas também não discordamos.

Gostávamos mesmo de suas histórias apimentadas, do quem pegou quem, dos bastidores e dos rumos desse mundo que não frequentávamos.

Homem também adora uma conversa fiada, uma fofoca. Se tem mulher bonita na trama, então; a coisa ferve.

Snoopy não era assíduo como nós, mas marcava presença – e era sempre bem-vindo.

De quando em quando, em dias de maior inspiração, o homem não deixava ninguém se coçar e pagava a conta, com direito à saideira.

Assim como chegou ao antro, Snoopy desapareceu. Alguns se deram conta, outros sentiram sua falta (queriam saber coisinhas dessa ou daquela Fulana), mas ninguém fez drama.

PARTE 2

A vida, naqueles idos dos 80, seguia em velocidade de cruzeiro e, à nossa maneira, tínhamos que satisfazer a lida e éramos felizes.

Não lembro quanto tempo se passou, sei que foi um tempão, e ainda resistíamos por ali, quando nos chegou a notícia e um pacote de babilaques.

Um mensageiro tão misterioso quanto ele nos visitou em uma manhã de sábado e informou que Snoopy era, na verdade, um ilustre artista plástico, de renome mundial (vendo o peixe como comprei, tá?) e ganhara o mundo sem deixar vestígio ou paradeiro. Uma praia perdida no Nordeste, uma pequena cidade no interior do Uruguai, uma aldeia na Toscana, os boatos eram muitos, mas sem comprovação.

O homem, de terno e tal, nos disse do carinho que o Snoopy sentia por nós e que sempre aparecia por ali, no boteco, para curar a profunda depressão que lhe enredara e não lhe dava trégua. Gostava do nosso amalucado e sem-compromisso jeito de levar a vida (era o que ele imaginava, ok?) e, muitas vezes, nós o inspirávamos nas obras abstratas e surreais que eram o seu forte.

Ninguém entendeu bulufas o processo de criação do Snoopy; menos ainda, o porquê em meio a tanta gente bonita ao seu redor, o cara foi nos transformar em musos.

De qualquer forma, entre uma cerveja e outra, achamos conveniente nos fazermos de educados e não negacear os tais presentes devidamente nominados e empacotados.

Na verdade, eram pequenas telas (de 16 por 12 centímetros) com as tais abstrações e algumas pequenas esculturas em cobre ou zinco (nunca soube direito).

Cada um pegou a sua lembrancinha.

A mim, coube um chaveiro excêntrico que, de resto, nunca pus em uso. Na peça principal, ele imita uma folha de árvore em cobre (ou zinco) e tem incrustado um pequeno arranjo de contas e miçangas. Uma moeda, das bem antigas, derretida completa a cena.

Sejam educados, por favor.

Não me perguntem se o pessoal gostou ou não dos presentinhos.

Da minha parte, como de hábito, serei sincero: guardei o badulaque num lugar em casa muito bem guardado.

Mas, só agora me dou conta que, tal e qual o seu autor, não sei que fim levou a obra.

Parte 3

Lá vem o Escova, ombudsman do nosso Blog, com as observações que julga “justas e necessárias” sobre os posts que escrevi dias atrás (sexta e sábado) que reverenciaram o nosso amigo Snoopy.

Escova também conheceu Snoopy naqueles idos tempos.

Foi inclusive presenteado com duas pequenas telas que simulam o anúncio de uma tempestade em alto mar.

Lembro também que, naquela manhã mesmo, após conferir as ilustrações, o Escova me ofereceu as duas em troca de uma rodada de cerveja para a turma:

– Não faz o meu gênero, disse.

Topei a proposta – e as telinhas estão em um canto de uma das paredes de casa. Sem causar qualquer frisson às pessoas que me visitam e a mim mesmo.

Para ser sincero, só lembrei-me delas por conta da observação feita pelo amigo.

– Você reparou que o Snoopy não assinou nenhuma das telinhas e esculturas que nos deu? Confere lá naquelas que eu lhe dei?

Não entendi a insinuação do Escova, que não se fez de rogado e continuou com as explicações:

– O cara não é bobo, nem nada. Se ele assinasse aquelas obras e os especialistas em arte soubessem que estavam em nosso poder, toda a reputação do homem despencaria como ilustre e renomado artista. Como é que um bando de furrebas como nós teria acesso a tamanho requinte? Concorda?

Não sou de concordar com o Escova de primeira (até porque quando ele percebe que está agradando fica muito mala). Também não entendo bulufas do tal mercado das artes. Mas, acho que o malandro tem razão.

Amigos, amigos; negócios à parte.

Aliás, faço coro ao Escova quando ele diz que as histórias picantes dos famosos que o Snoopy nos contava eram bem mais interessantes.

Por um bom tempo, sabíamos mais do rala-e-rola que ocorre no high-society do que sobre nossa própria vida.

Era bem divertido.

Bem, na verdade, quando se tem trinta e poucos anos a vida é uma grande abentura…

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