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Num piscar de olhos

A vida, Senhor Visconde, é um pisca-pisca. A gente nasce, isto é, começa a piscar. Quem pára de piscar, chegou ao fim, morreu. Piscar é abrir e fechar os olhos – viver é isso. É um dorme e acorda, dorme e acorda, até que dorme e não acorda mais […] A vida das gentes neste mundo, senhor sabugo, é isso. Um rosário de piscadas. Cada pisco é um dia. Pisca e mama; pisca e brinca; pisca e estuda; pisca e ama; pisca e cria filhos; pisca e geme os reumatismos; por fim pisca pela última vez e morre.

– E depois que morre? – perguntou o Visconde.

– Depois que morre, vira hipótese. É ou não é?

* Este texto é de Monteiro Lobato, uma conversa entre a Emília e o Visconde. Está lá no Museu da Língua Portuguesa, que, aliás, é um lugar maravilhoso. Achei na internet. Acho tão sensível, sei lá…

II.

Aproveito a incrível deixa da amiga leitora para programar uma visita ao Museu da Língua Portuguesa que, relapso que sou, ainda não conheço. E, óbvio, embarco sem pudores nos confins do túnel do tempo.

O que diz Lobato é sábio – e verdadeiro.

Já escrevi aqui sobre a cena de um filme – que não lembro o nome. Mas, torno a repetí-la. É assim. A convivência faz com que o condenado à morte fique amigo do seu carcereiro e eventual carrasco.

Um dia, às vésperas da execução, o condenado lhe diz:

— A vida passa mais depressa do que as férias de verão…

Aliás, a frase que abre nosso site, do ator italiano Vitório Gassman vai no mesmo embalo:

— Deveriam ser duas vidas.Na primeira, a gente ensaiava. A segunda seria pra valer.

Alguém duvida que seria bom?

Mas, não é assim…

III.

Um dia piscamos e estamos, no prézinho, em nosso primeiro dia de aula. Em outro, piscamos e estamos à frente do reitor com um canudaço na mão…

Um dia piscamos e conhecemos o amor da nossa vida – e nos encantamos e fazemos planos e aquela coisa toda. Em outro, a gente pisca e vê a casa vazia, uma quentura no peito, um desconforto no corpo e na alma porque o que era doce acabou – e inevitavelmente acaba.

Um dia piscamos e somos um estagiário em nosso primeiro emprego. Em outro, piscamos, e estamos às voltas com a papelada para tirar a aposentadoria e ganhar uma merreca por mês…

Assim é a vida…

IV.

Engraçado.

Lembro perfeitamente eu descendo do ônibus em frente ao prédio da Gazeta do Ipiranga – meu primeiro e efetivo emprego como jornalista. Era na rua Lino Coutinho. Tinha pouco mais de 22 anos, cabelos longos, bolsa de hiponga – um horror. Mas, trazia em mim todos os sonhos do mundo…

Pisquei e já era repórter contratado, com carteira assinada e tudo mais. Pisquei e era redator-chefe. Outra piscadinha e virei diretor de Redação. Nesse pisca-pisca, de sonhos e venturas se passaram 28 anos…

Curioso é que estou aqui, feito árvore de Natal, a piscar e piscar – e não consigo lembrar como foi meu último dia na Redação do jornal que era minha vida…

V.

Devo lhes fazer uma confidência.

De todos os ‘piscares’ — será que existe a palavra? – há um que me emociona por demais. Devia ter uns onze anos. Ainda me vejo à beira do campo de várzea, lá pelos lados do Aeroporto de Congonhas. Visto o uniforme roto do Botafogo da Aclimação, time de futebol montado pelo seo João Bicudo que reunia a molecada da Muniz de Souza, da Piai, da Almeida Torres, da Albino Barbosa e arredores. Fomos na boléia de um caminhão. Sou o reserva – e entro em campo quando falta cinco minutos para acabar a partida. Pego duas vezes na bola e – que ousadia – dou um lateral…

Joguei futebol até 52 anos. O tempo passou num piscar de olhos. Vocês acreditam que ainda sonho que estou disputando grandes rachas – e, melhor, com a leveza dos meus 20, 30 anos. É uma delícia…

VI.

Pisco para recordar minha última partida.

Melhor esquecer…

VII.

Ta bom! Eu conto.

Era a Copa Nike de Imprensa, de Futebol Soçaite. Joguei pelo Diário do Grande ABC. Meu filho era o goleiro – bom goleiro, diga-se, o que só me fazia mais feliz. Poucos pais tiveram esse dileto prazer de compor um time com o filho.

Chego no Centro Esportivo e encontro alguns amigos de idos tempos – eram técnicos de outros times ou estavam lá só para tomar umas e outras.

Jogando, jogando, só eu…

Até aí, pegou nada – como diz o amigo Ângelo Verotti, editor de Esportes do Diário, técnico e capitão do time, além de dono das camisas.

Joguei o jogo – e nada demais.

A partida terminou empatada e fomos para decisão por pênaltis.

Fui o primeiro do meu time a bater.

Corri para a bola e “caixa”. Bola para um lado, goleiro para o outro.

Uma a zero.

Vou pra galera.

VIII.

Estou todo feliz a comemorar com a tropa, quando ouço um gaiato da platéia gritar
entusiasmado:

— Boa Sean Connery!!!

— Valeu Sean Connery!!!

Sean Connery, campeão! Pega leve. Nada contra o primeiro e eterno ator de OO7. Mas, o cara está batendo no sete ponto e lá vai fumaça.

Achei melhor abrir bem os olhos, mas pisquei e desisti…

Mas, querem saber?

Às vezes, ainda me arrependo.