A conversa rolava solta entre os amigos sessentões, naquele bar, nos confins do Sacomã. Entre uma lorota e outra, um causo e outro, uma lembrança de tempos idos e vividos, eis que o assunto cai no noticiário do dia – e inevitável nas manifestações contra a realização da Copa do Mundo no Brasil, ocorridas no final de semana a partir de São Paulo em várias regiões do País.
Alguns tentaram defender a fúria dos manifestantes.
Um descalabro, diziam.
– Foi uma derrama de dinheiro público que poderia construir escolas, hospitais etc etc.
Uns concordaram, outros condenaram o vandalismo das manifestações.
– Essa quebradeira não faz parte do jogo democrático.
– Assim as instituições correm sério risco.
– O brasileiro até que gosta de uma “dita-dura”, disse Escova em tom de gozação.
II.
Parece que o pessoal não estava para brincadeiras, muitos reclamaram da piada de mau gosto do amigo.
Aí, a conversa virou para o despreparo da Polícia para conter mobilizações, seja inocentes rolêzinhos, seja a ação dos tais black bloks.
Tiziu, um ex-craque da várzea da Estrada das Lágrimas, lembrou a dificuldade de se manter racional numa hora de corre-corre e do pega geral.
– Lembram os nossos tempos de futebol de várzea? Quando fechava o tempo, era um salve-se quem puder…
III.
De modo sincero, todos lamentaram os episódios de sábado em Sampa: o incêndio no Fusca do serralheiro que pôs em risco a família de gente humilde que estavam dentro do carro e os tiros da PM no manifestante que tentou escapar da perseguição dos policiais.
Fez-se um silêncio sepulcral, como se dizia à época em que eram jovens topetudos e freqüentadores das domingueiras do Clube Atlético Ypiranga, no salão da rua Xavier Curado.
IV.
Foi quando se ouviu voz fanha de Gereba, vulgo o Otimista, por motivos óbvios.
Era um inoxidável defensor da positividade nas ações do dia a dia.
Desta vez, o tom de suas palavras era outro e contrariava a todas as expectativas.
– Meus queridos, não quero assustá-los, não. Mas, o pior ainda está por vir.
V.
Lembrou que na Copa de 50, mesmo com a derrota diante dos uruguaios, as 200 mil pessoas que lotaram o Maracanã choraram, lamentaram, descabelaram-se, mas foram pacificamente para suas casas.
– Vocês estão discutindo o antes, ok? Agora, já imaginaram o depois da Copa? Se Deus nos livre e guarde (toc, toc, toc) se a seleção derrapar na curva e perder a Copa?
A tigrada arregalou os olhos, berrou, xingou, uivou ensandecida contra este e aquele…
– Não vai sobrar pedra sobre pedra, disse Manoelino,o mais exaltado.
VI.
E Gereba, o Otimista, quem diria!, em tom professoral, colocou os pingos nos is. E matou o assunto:
– Olhem o quanto regredimos, gente!!!