O balão era enorme. Multicolorido. Lindão!
Tinha o formato de um peão. A 30, 40 metros do chão. Cambaleava tocado pelo vento.
A tocha se apagara, vinha em minha direção.
Cairia bem próximo a mim, no meio da rua de paralelepípedos, onde o movimento de automóveis era quase nenhum, tanto que, nas tardes cálidas daqueles tempos idos, nós, os garotos suburbanos do Cambuci, jogávamos bola até que se aproximasse a sombra da noite. Ou – o que não era raro acontecer – a mãe de um dos nossos aparecesse para, aos berros, por fim à nossa vadiagem.
Meados de junho.
Tempos de festas.
Bombinhas, rojões, fogueiras, os três santos, as quermesses – e as noites de uma São Paulo, ainda provinciana, onde era possível ver as estrelas e os balões – prendas mais do que desejadas pelos garotos de então.
II.
Quem passasse a temporada sem pegar ao menos um ficaria com a pecha de “pagão” por todo aquele ano.
Em compensação quem aparecesse com uma preciosidade como aquela à minha frente seria elevado ao panteão dos grandes, dos notáveis.
III.
Eu já estava me sentindo um deles.
O belo se aproximava, sem riscos, entregue.
Quem diria que, ao escutar a minha mãe, e levar um prosaico bolo de fubá, feito especialmente pro vô Carlito (que morava na rua Lavapés) seria premiado, na volta, com tamanha prenda.
IV.
A rua estava deserta.
Me aproximei do balão quase no exato momento em que tocaria o solo.
Procurei pela “boca” do bichão para agarrá-lo ali e evitar qualquer avaria.
Ninguém acreditaria na minha façanha.
Eu aproveitaria para ‘aumentar’ um tantinho mais a proeza.
Falaria que o disputei no muque com os moleques da turma da rua Piaí (hoje
Miguel Telles Júnior) e, na malandragem, me dera super bem.
A prova esta ali, em minhas mãos, e faria questão de mostrar a todos.
V.
Não foi preciso.
Não sei de onde surgiram.
Mas, TODOS estavam ali. Numa avassaladora correria.
Alguém me empurrou pra longe.
Várias mãos ansiosas, em desespero, buscaram o “lindão”.
Em segundos, só restaram os retalhos coloridos e a ameaça de briga entre os fortões das diversas gangues.
Sem contar, claro, minha infinita tristeza de ser só um vacilão.
VI.
Lembrei a história ao tentar entender o que acontece hoje com o lindão chamado Brasil.
Chegou às alturas, cortou o céu. Comparou-se às estrelas.
Depois, perdeu força.
Cambaleou.
O declínio se fez inevitável.
Deveríamos corrigir essa rota com atenção e cuidado.
Despedaçá-los, como ora se faz, é a tragédia anunciada.