Foto: Reprodução
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Tenho um plano recôndito que guardo com carinho
– e alguma esperança.
Voltar a Milão.
Andar pelas ruas do centro histórico numa manhã ensolarada.
Ver o Duomo.
A Gallerie Vittorio Emanuele II.
A Pinacoteca Ambrosiana.
O Teatro alla Scala…
– e seguir despreocupado até a Chiesa di Santa Maria delle Grazie.
Provavelmente vou perder nessas idas e vindas, no entra-e-sai de ruas de calçadas estreitas e apinhadas de gente de todos os lugares.
Não é tão simples a quem anda distraído pela vida como eu chegar de primeira na Piazza Maria delle Grazie 2.
Lá está o convento renascentista em tons terrosos, com a capela-mor e claustro projetados por Bramante, que guarda uma das maiores relíquias artísticas da Humanidade:
o Cenáculo ou A Última Ceia, de Leonardo da Vinci.
A figura de Jesus está inacabada.
Da Vinci não se considerou digno de completá-la.
O momento, captado pelo artista, é aquele em que Jesus diz que um deles irá traí-lo.
“Quem vai me trair é aquele que comigo põe a mão no prato.”
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Quando lá estive (faz alguns muitos anos, dez, doze, sei lá…), ouvi de um dos guias que a restauração é constante. Mas, muito complicada. É quase impossível deter a ação do tempo, mesmo que a obra esteja protegida por um complexo sistema de filtragem.
Muitas nuances da pintura têm aspecto esmaecido, pálido, incompleto.
Mesmo assim, quem entra naquele espaço tomado pela penumbra, onde só a tela se faz iluminada de forma indireta, é absorvido por um profundo silêncio, uma esplendorosa contrição de sentimentos e encontros até então insondáveis.
Ali, a vida parece tomar o verdadeiro sentido.
Na fé.
No passo
– e no caminho.
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Então, meus caros, como vou lhes dizer aquilo que não sei lhes dizer objetivamente?
Se até o genial artista assumiu sua pequenez diante de tamanho alumbramento, imagine um insignificante escriba como eu…
Enfim, acalento esse sonho.
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O que você acha?