Foto: reprodução do YouTube/Geraldo Vandré
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Descubro por acaso, numa dessas madrugadas insones, que Geraldo Vandré foi entrevistado em novembro do ano passado pelo Canal Livre da TV Bandeirantes.
Coisas do YouTube, meus caros.
Revejo o programa com um ano de atraso.
Tem 37 mil visualizações.
Achei pouco.
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Grande Geraldo Vandré! Cantor, compositor, músico que abandonou a carreira no auge da fama, na virada dos anos 70, após fazer o Maracanãzinho entoar a plenos pulmões a canção/hino de toda uma geração: “Para não dizer que não falei das flores”.
O que determinou a decisão de Vandré?
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À época, as versões que ouvíamos eram no sentido de que, logo após o tacão do AI-5, assim como outros artistas, Gil e Caetano, por exemplo, Vandré tinha sido preso. Falava-se também que teria sido torturado e depois obrigado a se exilar primeiramente no Chile para depois seguir para a Alemanha.
Diziam que de tão traumática que foi a experiência, o paraibano Geraldo Pedrosa Araújo Lima resolvera dar um basta à carreira e projetos artísticos.
A princípio, ainda que lamentássemos a decisão, pareceu-nos justificável a insólita decisão. A música de Vandré estava fundeada nas mais genuínas manifestações culturais brasileiras. Sempre fora engajada e contundente em seus propósitos sociais e cidadãos.
Era imperscrutável manifesto de resistência e luta contra os Donos do Poder.
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Restava-nos a esperança (melhor dizendo, a expctativa) de que assim que a democracia se reetabelecesse no País, Vandré retomaria sua trajetória musical.
Vieram os novos tempos. A anistia, o fim da censura, a redemocratização, as diretas já, a Nova República…
Mesmo assim Vandré ficou na sua.
E o advogado, Dr. Geraldo Pedrosa de Araújo Lima, foi logo nos avisando:
“Esqueçam. Vandré é apenas uma marca comercial que não mais existe”.
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E assim o cantor/compositor Geraldo Vandré saiu de cena.
Mas, a obra do artista continuou intacta, a ressoar por aí (especialmente “Para Não Dizer que Não Falei das Flores”). Assim como o mistério sobre as razões que motivaram a irredutível decisão.
Vez ou outra surgiam notícias de apresentações relâmpagos de Vandré aqui e ali.
Coisa rara – e não mais levada adiante pelo artista.
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Eu mesmo, como repórter do Jornal da Tarde, preparava uma longa matéria de duas páginas sobre a Era dos Festivais no início deste século – e em vão tentei falar com Vandré sobre aqueles anos auspiciosos de cumplicidade entre a TV e a música popular.
Fechei a reportagem sem o depoimento de Vandré.
O editor lamentou a ausência, mas compreendeu a situação:
“Ele (Vandré) largou mão. Quer distância daquele tempo…”
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Pois, então, meus caros…
Coisas do YouTube.
Vinte e tantos anos depois, eis-me outra vez diante do enigma.
O que será que Vandré (ou Geraldo Pedrosa) disse à bancada de entrevistadores?
Revelou a trama, a razão do segredo, o que de fato aconteceu?
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Assisto ao programa – e me surpreendo (com indesculpável um ano de atraso, diga-se) .
Vandré ressalta que não foi preso. Por conta própria, fugiu de carro para o Paraguai e depois para o Chile. Não falou em tortura. E foi evasivo em muitas respostas,
Três frases ditas por ele, imagino, resume bem o que pensa:
“Continuo um exilado”.
“A música vai bem mais além do que o protesto”.
“Não havia mais razão para eu cantar”.
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A entrevistadora insiste:
– Então, naquele tempo, havia motivos para cantar e compor?
Vandré:
– Sim, muitos.
A entrevistadora:
– Quais?
Vandré:
– Muitos. Mas, foi há tantos anos, eu os esqueci.
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O que você acha?