01. Imagine se um desses misteriosos ETs aportasse por essas plagas e disfarçado de humanóide tentasse descobrir como vivem, o que fazem e quem são os brasileiros, esse povo multifacetado, por raças e credos, que habita uma terra abençoada, com inquestionável potencial para chegar ao Terceiro Milênio como a Nação mais poderosa do Planeta. Caso o relatório da criatura fosse baseado unicamente naquilo que se lê nos jornais e vê na TV, dá para se prever o quanto de perplexidade e incongruências reuniria o tal documento intergalático. A cada semana, de posse de notícias fresquinhas, o chefão lá de não-sei-onde teria a nítida impressão de que já se fazia hora de trocar o enviado especial em função das barbaridades que insistia em relatar. "Esse andróide anda criativo demais ou esse País não tem jeito, não" — confessaria o N 1 aos seus intrincados transistores.
02. E o pobre humanóide não teria feito nada mais do que relatar a verdade. Determinados elementos pertencentes aos quadros da instituição convocada a proteger a população, contra o crime cada vez mais organizado, resolveram agredir e humilhar cidadãos comuns. Uma dessas violações constatadas em Diadema (São Paulo) acabou gerando o chamado efeito dominó. Outras tantas denúncias, do mesmo quilate de autoritarismo, se sucederam por todo o País. Antes disso, já havia tentado explicar as negociatas financeiras de uma abstração chamada "precatório", que levava um mundão de dinheiro dos cofres públicos para as contas bancárias de alguns privilegiados. O chefe já havia ralhado com ele, pedindo mais clareza no texto e insistindo para que não fosse negligente e detalha-se o capítulo das punições. Afinal, desse enredo todo, era o item mais importante — e todos (inclusive ele, o chefão) deveriam estar querendo saber quem eram os culpados e quais as penas.
03. O ET não fora programado para inventar. Por isso, nada pôde dizer. Sabe que a barra lá em cima ficou um pouco assim-assim. Mas, que fazer? Pior foi tentar explicar as idas-e-vindas do leilão da Vale do Rio Doce. Identificar quem era contra, quem era a favor; quais os interesses desses e daqueles e como, no final das contas, todos queriam levar vantagem com a maior mineradora do Planeta. Até o anúncio oficial da venda, com direito a fotografia do cheque bilionário na imprensa, ninguém lá nos confins de onde veio, queria acreditar na patuscada, na pantomima que escrevia. "Que País é esse?"– perguntava o N 1, dando soco na mesa.
04. Olha, quando os deputados federais se pegaram a socos e pontapés no Congresso, achou melhor anexar aos documentos uma fita de vídeo, identificando a balbúrdia e, mais especialmente, o objeto estridente que as insignes figuras levaram à boca para dele (objeto) extrair um ruído insuportável. "Tal manifestação — ressaltou, com letras maiúsculas — denominou-se APITAÇO e provocou a paralisação dos trabalhos naquele dia". Como narrar que, na manhã do dia seguinte, todos sentaram a mesma mesa e alegremente acertaram a continuidade da votação da tal reforma, que se arrasta há anos e anos?
05. Semana passada, fez hora extra. Trabalhou até de madrugada para repassar os processos indenizatórios da comarca de São Luiz do Maranhão. Um deles chegava a 216 milhões de reais e o tal magistrado que determinou a sentença mandou arrombar o cofre do Banco do Brasil. E mais: não tirava um centavo da sentença. Que horror. De quebra, ainda escreveu sobre o escândalo na Confederação Brasileira de Futebol, onde o chefão da comissão das arbitragens exigia descaradamente propina para sua futura campanha para deputado federal. Puxa, ninguém na CBF sabia do que estava ocorrendo? Ele mesmo fez às vezes do chefe checando a informação que acabara de ler.
06. Nesta semana, viu todo o seu trabalho perdido. A Justiça maranhense baixou a indenização para algo em torno de 25 mil reais e o senhor Ives Mendes, denunciado como corruptor, não compareceu ao Superior Tribunal de Justiça Desportiva e, mais, deu entrada num processo para saber quem "grampeou" seu telefone… E o que seria o tal código um, zero, zero…
07. Agora, o nosso ET anda se consumindo em pesquisas sobre outra denúncia. A Folha de S.Paulo deu o "furo": deputados receberam até 200 mil reais para votar a favor da reeleição. Uma vergonha que não sabe como passar ao seu superior. Teme que, antes da notícia chegar por lá, aconteça um desmentido por aqui. O próprio presidente FHC (aliás, um nome parecido com o que costumam usar por lá) pediu rigor nas investigações que, entre os iguais brasileiros, já se comenta: não vai dar em nada. Aliás, para ser franco, anda estranhando os nativos. Eles demonstram maior preocupação com o campeonato de futebol do que as coisas lá de Brasília…
08. Algumas certezas, o nosso herói tem. Pelo que apurou e descreveu, nossa gente está sem Governo e ao abandono há séculos. Andam distante também de algo que se convencionou chamar de "consciência política e cidadania". Mais: não há chance de uma eventual invasão alienígena. Confusão por confusão, bastam as interestelares, com direito a asteróides, cometas errantes e planetas obscuros.
09. De resto, não vai sequer citar o episódio desta semana. Representantes dos pequenos agricultores invadiram o Ministério do Planejamento num protesto contra juros altos dos empréstimos bancários. Dizer que um bicho chamado "peru", de fisionomia estranha, ocupou a mesa do ministro Antônio Kandir seria demais. Daria um tilte no pessoal lá de cima e, muito provável, diriam que ele estava brasileiramente contagiado e o esqueceriam por aqui…