Sou de um tempo que havia a disciplina de Oratória no terceiro e quarto anos do curso Primário (o que hoje, creio, equivale ao primeiro ciclo).
As aulas eram nas manhãs de sábado. O professor escolhia um aluno na sala, e este deveria apresentar-se aos colegas de classe.
Havia quem cantasse (o Humberto ganhou o apelido de “Catari” por interpretar com voz de tenor a cançoneta napolitana), quem declamasse, quem contasse história, quem lesse em voz alta a própria composição sobre esta ou aquela questão.
Deveríamos nos apresentar devidamente uniformizados, com os sapatos pretos retintos, penteados – e aleatoriamente seríamos chamados pelo professor, o irmão Fidélis (estudei em colégio marista).
Tínhamos que ter, na ponta da língua, o nosso número. Era obrigatório ser convincente na apresentação.
Enquanto não fôssemos chamados, o número ficava valendo. Não precisávamos preparar outro. Ou seja, tínhamos a semana livre dessa tarefa. O que eu, particularmente, achava um alívio.
Aliás, meu repertório não era lá muito variado. Tinha duas ou três poesias curtas e uma historieta que encontrei em um livro de Literatura Infantil intitulada “Os Últimos Dias de Pompeia”.
Lembro-me de uma única estrofe da poesia que decorei de Olavo Bilac.
Ouçam aí:
“Negro
Com os olhos em brasa
Bom, fiel e brincalhão
Era a alegria da casa
O corajoso Plutão”
Não me saí de todo mal nas modestas apresentações que fiz.
Valiam de meio a um ponto a mais na nota final da disciplina de Língua Portuguesa – o que, para nós, os esforçados do ritmo, por vezes, salvavam o ano.
Por que lhes conto essa história?
Nem eu sei.
Hoje, quando chegava à Universidade, vi um garoto de seus doze, treze anos, correndo e brincando com um lustroso cão negro e, mecanicamente, sussurrei a poesia dos tempos idos.
Era um estado de pura e sincera alegria, só possível a um garoto e seu cão.
Os tempos são outros, mas a essência da vida continua a mesma.
É bom, vez ou outra, lembrarmos disso e reviver o garoto que um dia fomos…