Foto: Instituto Vladimir Herzog
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Dom Paulo completaria hoje 100 anos.
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Raramente nos damos conta quando a História (assim mesmo com agá maiúsculo) se revela aos nossos olhos.
Distraído e aparvalhado do jeito que sou, foi o que me veio à mente em dezembro de 2016, ao receber a triste notícia da morte do arcebispo Dom Paulo Evaristo Arns.
Quantas vezes, por força da minha profissão, não estive ali, feito um Forest Gump, a tropeçar em fatos e pessoas que lapidaram, para a posteridade, os contornos das nossas vidas.
Nós, os nascidos em Terra Brasilis.
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Entrevistei Raulzito, Elis, Bituca, Wagner Tiso, Ulysses, Montoro, Plínio Marcos, Covas, entre outros tantos e tamanhos.
Conversei com Telê Santana, junto ao alambrado do campo de futebol do Clube Atlético Ypiranga em uma festa de fim de ano da ACEESP – Associação dos Cronistas Esportivos do Estado de São Paulo.
Cobri as manifestações em São Paulo pelas Diretas-Já.
Também estava, com meu bloco de anotações em punho, no cortejo fúnebre de Tancredo Neves em meio a uma multidão de pessoas que seguia freneticamente o caminhão dos bombeiros pelas ruas e avenidas de São Paulo.
Fiz a manchete da edição que tratou da morte do ídolo de todos, Ayrton Senna:
“Nós que te amávamos tanto”.
(Houve até um professor de português que telefonou para a redação reclamando do indevido uso do “te”)
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Enfim…
Por que lhes conto essas coisas?
Explico.
(Ou tento explicar)
Para um repórter vira-lata como fui (e imagino que, em essência, sempre continuarei sendo), até que não foi de todo mal essa minha modesta trajetória.
Para lhes dizer a verdade mesmo é que, em meio à correria dos fechamentos das edições, nunca me dei conta da grandeza do momento que vivia como testemunha ocular da história.
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(foto: Anísio Assunção)
Uma única vez, creio, me dei conta dessa dimensão.
Foi no dia em que ouvi de Dom Paulo Evaristo Arns a descrição de como se deu a preparação do ato ecumênico em que se reverenciou a memória do jornalista Vladimir Herzog (que ocorreu em outubro de 1975, na Catedral da Sé).
Estávamos há alguns bons anos daquele triste fato e, mesmo assim, em meio à palestra que proferia, Dom Paulo foi instado a falar da sua corajosa participação naquela cena que decretou o começo do fim da ditadura que se arrastava por onze anos.
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Mesmo naquela manhã, sem alterar a fala mansa e prudente, Dom Paulo era todo indignação contra os que oprimem e violentam a existência das nossas gentes, da nossa Nação.
(Uma bela lição para o meu ceticismo, pois às vezes duvido que formamos mesmo uma nação.)
Suas palavras emanavam amor e ternura.
Amor a Deus – e, por meio deste sentimento, espalhava amor e ternura a um Brasil verdadeiramente de todos os brasileiros.
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Em determinado momento da cerimônia, o repórter-fotográfico Robson Fernandjes chamou minha atenção para uma réstia de luz azulada que trespassava os vitrais da igreja do antigo Seminário do Ipiranga e banhava a doce figura do arcebispo.
“O homem é um santo”, disse o Robson antes de tentar registrar a imagem para a posteridade.
Como não tenho lá esse dom de enxergar além do que vejo, olhei para Dom Paulo e vi ali um homem justo, compromissado com o povo mais humilde e que mudou a História deste País.
Vi ali o Amigo do Povo.
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*Texto originalmente publicado em 15/12/2016, na manhã seguinte após à morte de Dom Paulo.
O que você acha?