É mais do que célebre a história de que Antônio Carlos Jobim morou por longos e longos anos na rua Nascimento Silva, no bairro de Ipanema. Tanto que Vinicius de Moraes e o parceiro Toquinho transformaram o endereço do artista em verso da canção “Carta Ao Tom”, em 1974.
“Rua Nascimento Silva 107
Você ensinando pra Elizeth
As canções de Canção de Amor Demais”
O que poucos sabem é que havia nas imediações outro habitante ilustre, Carlinhos Lira, tão compositor, tão bossanovista e tão parceiro de Vinicius quanto Tom.
Naqueles fins dos anos 50, em que era costume a entrega do leite e do pão nas portas da casa, o Poetinha inaugurou, no mínimo, outro curioso delivery: o de letras de canções.
Por isso, era chamado pelos amigos como o Letreiro da Rua.
Não era cena rara vê-lo, terno e gravata, óculos de grossa armação, tocando a campainha da casa de um e de outro para esvaziar os bolsos do paletó e lhes entregar amarfanhadas folhas arrancadas de cadernos, com os versos que seriam musicados em obras primas como “Garota de Ipanema” e “Minha Namorada”, entre outros.
A turma não dispunha de nenhum gravadorzinho portátil para facilitar a tarefa. Os compositores mal-e-mal passavam as harmonias para o amigo letrista que se viraria mais tarde, do jeito que desse e de memória, na mesa de um bar em fim de noite ou mesmo na própria casa não muito longe dali.
Como todo sabemos, o Poetinha saiu-se extraordinariamente bem; salvo um ou outro engano.
Aliás, foi o que aconteceu no dia em que entrou, com pressa, na casa de Lira e lhe entregou a encomenda. Ainda precisava passar na casa de Tom, pois no outro bolso estava a letra de uma nova canção.
Mesmo assim, Lira pediu ao amigo que esperasse um minuto que fosse para ver se aqueles belos versos se encaixavam.
Pegou o violão – e se pôs cantarolar:
“Olha… que coisa… mais linda… Mais… cheia… de graça…”
Parou de súbito, tomou coragem para dizer o que tinha a dizer:
— Vinicius, tem algo errado aqui. Os versos são bonitos, sim. A ideia é boa, mas não cabe na harmonia que eu lhe passei.
O Poetinha fez cara de poquer. E só quebrou o silêncio depois de enfiar a mão no outro bolso do paletó e sacar outra folha de caderno e lhe entregar.
— Desculpe, parceirinho, errei a encomenda… É uma musiquinha que estou fazendo como Tonzinho.
A “musiquinha”, como vocês, meus caros e fiéis cinco ou seis leitores, já perceberam era “Garota de Ipanema”, a canção brasileira mais conhecida em todo o Planeta.
Quando Vinicius saiu, Carlinhos Lira ficou maravilhado com a letra que acabara de receber – e que era perfeita para a melodia que fizera. Tinha em mãos os versos encantados de “Minha Namorada”, outro clássico da música popular brasileira.
O Letreiro da Rua estava inspiradíssimo naquela semana.