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O motoboy

Ele tem 20 anos. Mulher e filho pequeno. Não sei onde mora, mas certamente em alguma quebrada da periferia paulistana. É motoboy. Roda 400 quilômetros por dia. Uns 350 na empresa de um tal Sr. Rafael e o outro tanto como entregador em uma pizzaria perto do que chamou de “cafofo”. Faz o turno da noite. Houve um tempo em que emendava um terceiro expediente, madrugada a fora, numa gráfica. Foi logo que o garoto nasceu. Quem pôs fim à jornada de 18 horas foi a própria mãe. Um dia, quando ele chegou à gráfica, ela já estava lá e fez com que o mandassem embora.

Ainda lembra o escândalo que a mãe fez:

— Esse menino não dorme. Assim vai acabar se matando…

O motoboy tentou se defender:

— Mãe, se eu não pegar pesado agora que sou jovem, quando vou pegar? Depois de coroa?

Rapidinho, deram-lhe a conta.

II.

Na fila do banco, o rapaz moreno conversa com a amiga. Espera a vez de ser atendido pelo caixa com o capacete encaixado no braço. Traz na outra mão um alentado envelope bege e dou graças a Deus por estar dois postos à sua frente. Estou imune ao risco de ver a derrama de documentos que espalhará pelo guichê –vai demorar, no mínimo, uns 20 minutos para a moça do caixa livrar-se daquilo tudo – e a uma distância suficiente para ouvir suas histórias, sempre entremeadas pela expressão “mano”.

III.

Ele fala em tom orgulhoso, certo que todos estamos ouvindo.

Quando era jovem, ele gostava de emendar uma balada atrás da outra. Aprontou todas. Ou melhor, quase todas.

— Comecei a andar com gente errada, mano. Mas logo vi que aquele caminho era sem volta.

Foi o tio que deu o toque, na boa:

— Não vai por aí, ele disse. E eu não fui, mano.

IV.

Aliás, ele considera esse tio (irmão da mãe) como a um pai. O primo tem até ciúmes.

— Meu pai mesmo só me reconheceu porque a mãe pôs ele no pau. Senão, mano, o velho não me reconheceria nunquinha.

Certa vez, os dois se encontraram. Ele foi franco. Disse que o que pensava, na lata:

— Meu pai é o meu tio. Você eu trato pelo nome e à distância.

O pai biológico até chorou. Mas, ele nem se comoveu.

— Pai não é quem faz, é quem cria, mano.

V.

Falou e disse com a autoridade de um jovem senhor, ainda que com cara e roupa de menino que há pouco deixou de ser. Ele garante que tem suas razões. Afinal, é pai de um garoto de quase três anos. Razão de sua vida hoje.

— Ô, nem sei, mano. Depois que o meninão nasceu, minha vida mudou. Parei com tudo. Sou outro cara. É minha vida, mano…

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