Não lembro o dia em que saí do jornal.
Mas me é inesquecível o dia em que lá cheguei.
O primeiro dia.
II.
Era uma tarde de sol.
10 de março de 1974.
O Tio Nininho me havia recomendado ao AC, filho do dono da Gazetinha e chefe da redação do pequeno (mas, combativo) jornal de bairro.
III.
Foi o próprio que me recebeu, sem qualquer formalidade.
O cara era uma figuraça.
A princípio me fez recordar a imagem de Búfalo Bill. Cabelos escorridos e longos, na altura dos ombros. Risca ao meio. Completava-lhe o rosto um vasto bigode a cobri o lábio superior.
Não tinha curso superior, era formado “na escola da vida”, como gostava de dizer.
Tinha 31 anos, mas falava como um cinqüentão. Era sagaz e atento nas pautas que nos propunha (características inseparáveis a um bom jornalista).
IV.
Naquele dia, o AC me propôs um texto.
Seria um teste.
O tema.
“O trânsito no bairro”.
Amplo ara caramba. Eu que me virasse.
V.
Não lembro o que escrevi.
Falei com comerciantes, usuários, motoristas e até uma cobradora de ônibus – era raro ver mulher nessa profissão.
Fui aprovado em primeira instância pelo AC.
Depois teria que enfrentar o crivo do Marcão, o pai do AC, jornalista das antigas, um artesão no ofício e na arte de editar um texto.
VI.
Estava no terceiro ano de jornalismo na USP, e fiquei encantado com a destreza do jornalista em cortar palavras, implodir gerúndios, pronomes e advérbios e dar fluência à narrativa.
VII.
Rabisco essas memórias na sala de aula, enquanto espero os estudantes que hoje retiram seus trabalhos por mim corrigidos. Saberão se foram aprovados ou não.
Fico a imaginar como essa garotada me vê, como vê minhas correções.
Lembrarão de mim daqui a 40 anos?
Não sou tão talentoso quanto o Marcão, mas me esforço…