— Calma lá, Edgarzinho, calma lá. O Brasil mudou, eu mudei e você não mais me representa e ponto.
Edgarzinho – na verdade, Edgar Pereira Couto, 50 anos, administrador contábil de profissão e filatelista por hobby – mal acabara de chegar no sobradão, comprado em módicas prestações ao longo de 20 anos, e nada entendera da nova palavra de ordem da mulher. Mesmo assim, atinou que havia gato na tuba.
Olhou a esposa, franzindo as sobrancelhas, como a dizer: o que se passa?
Tidinha, idade não revelada, RG confiscado em baú trancado a sete chaves, com nome de Matilde Cristina Soares e Couto, resistia à ideia de envelhecer. Dona de casa solícita (pelo menos até aquele dia), mãe de um casal de filhos crescidos e engajados, estava decidida: seria uma nova mulher, a partir de tudo o que está acontecendo nas ruas e praças.
O primeiro vilão a ser destituído era pobre Edgarzinho, o marido tirano que a trancou em casa esses anos todos, como a Carolina, da música do Chico Buarque, aquela que não viu o tempo passar.
–Não vandaliza, não, viu? – avisou temendo a repressão violenta por parte do pacato Edgarzinho. — Que estou no meu direito. A liberdade de expressão é livre.
Este é um movimento sem volta.
Sem entender direito o que estava acontecendo, aquele palavreado, ele preferiu o silêncio. Acabara de chegar de um dia de trabalho, cansativo que só, atravessou ruas congestionadas, viu viaturas de polícia e gente andando pra lá e pra cá. Estranhou, mas seguiu pacientemente até o lar doce lar. Agora só queria sossego.
O que fazia a mulher vestida daquele jeito?
Bata verde, calça amarela. Para onde ela pensava ir com aquele rolo de cartolina enrolado na mão, e a bolsa de couro cru transpassada no tronco?
Balançou a cabeça, e desconsiderou qualquer explicação.
A mulher insistiu:
— O Brasil mudou, eu mudei e você não mais me representa.
Edgarzinho largou o corpo no sofá da sala, esticou os pés até apóia-los na mesa de centro. Olhou a mulher firmemente, e continuou sem falar.
Tidinha partiu então para o enfrentamento:
— Uh! Uh! Vou para a manifestação e hoje não tem jantar. E aí? Não vai dizer nada…
Foi então que Edgarzinho rendeu-se às evidências:
— Então, na volta, passa na padaria e compra duzentos gramas de queijo e alguns pãezinhos que por ora estou sem fome.
Nem terminara de falar, apoderou-se do controle remoto para ver na TV as notícias do dia…
(*Post de número 1987)