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O que o tempo leva… (10)

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UMA NOVELA BLOGUEIRA(Foto: Jô Rabelo)

Menos é mais…

Dá para entender.

Até já senti essa angústia. No meu caso foi quando embiquei para os 50 anos. Andava por ali, quarenta e muitos.

Se puxar pelo calendário, mais ou menos à época em que o Tio Carlos decidiu se bandear para a Serra da Bocaina, de mala (como ele disse, cheia de livros) e cuia (de chimarrão, lembrem-se que ele é gaúcho).

Coincidência pura, deixa quieto.

Bateu em mim um mimimi existencial brabo. Daqueles do tipo tenho tudo, mas nada me satisfaz.

Fiquei tão apalermado que até pensei em fazer o viçoso Caminho de Santiago de Compostela. 800 quilômetros de caminhada, cajado, paradas em albergues credenciados, eu comigo mesmo em busca do autoconhecimento.

Estava decidido.

Cheguei mesmo a participar de reuniões na Associação dos Amigos do Caminho de Santiago da Compostela, seção Brasil.

Verdade.

Virei o sócio de número 520.

Tudo nas conformidades. Emendaria as duas férias vencidas que tinha no jornal – e, logo cedo, pé na estrada pra não ter porém.

Um choque de realidade.

Uma providencial tendinite no calcanhar do pé direito (ou esquerdo, não lembro agora) obrigou-me a usar uma palmilha alemã (cara pra dedéu), além de adiar temporariamente meus planos de peregrino.

Semanas depois, quase recuperado da incômoda dor – eis que leio numa dessas revistas de turismo, de páginas super coloridas, uma competentíssima reportagem de um colega do curso de jornalismo, o Maciel, grande cara que não vejo desde, digamos assim, os bancos escolares.

Ele também se arvorou pelas sinuosidades da afamada vereda. Só que de uma forma bem peculiar. Como, aliás, bem sugeria o título da ampla matéria:

Pelos caminhos (das baladas) de Santiago

Aplaudi de pé a genialidade do Maciça – e humildemente desisti de vez da empreitada.

Como não fui eu que fiz?

Atrevo-me a contar essa história para o nobre ator Carlos Artúlio – e ele ri que só.

Mostra-se solidário à minha desdita.

Diz que, se fosse com ele, certamente escolheria a segunda opção. A das baladas.

Dou de ombros.

– Não tenho resistência atlética para a primeira – digo. – Da mesma forma, que me falta desenvoltura para a segunda.

Dois goles que dei na tal cachacinha da boa – e cá estou a rememorar encantamentos outros do passado que decididamente seria melhor esquecer de vez.

E acrescento:

– Além do que, amigo, sou do tempo da gandaia.

Rimos com gosto.

Outro brinde.

Outra golada.

E já estou me sinto quase um compadre do homem.

Língua frouxa, escapa-me outra divagação.

Mesmo não sendo propriamente um noveleiro de estirpe, e querendo mostrar uma rebuscada cultura dramatúrgica, cito um personagem que muito me marcou (não tenho lá grandes explicações para o fato) naqueles idos e havidos. Foi o papel do ator Jardel Filho, na novela de Dias Gomes, O Bem Amado, com interpretação magistral de Paulo Gracindo como Odorico Paraguaçu.

(Gostaram? Sou quase um Google novelístico ambulante!)

Jardel fez o papel do médico Juarez Leão que, lá pelas tantas, aparece na cidadezinha praiana de Sucupira a viver solitário, longe de tudo e de todos numa choupana à beira do mar.

Não diz a ninguém que é doutor.

(Só se descobre no fim da novela)

O povaréu todo comenta:

“Quem será o forasteiro?”

E ele ali, na dele, cara de poucos amigos e algum segredo a lhe cadenciar o baticum do coração e obscurecer a mente.

– Tinha uma empatia com o tal personagem.

Meu (quase) novo amigo dá outra golada.

Diz que gostaria de ter feito esse papel. Mas, reconhece, Jardel teve desempenho incomparável.

– Ninguém faria melhor, diz.

Eram amigos, ele e Jardel.

Conheceram-se, jovens iniciantes, no Teatro Brasileiro de Comédia.

– Grandes recordações…

Pergunto se não sente saudade?

Balança a cabeça como a dizer assim-assim.

– Vivi intensamente tudo o que me coube viver. Não faria melhor do que fiz. Daqueles anos todos, só sinto falta mesmo da vitalidade, do ir e vir, fazer e desfazer, de se estar pleno, aberto aos incitamentos… Ter a tola compreensão de que somos relevantes para o mundo.

Carlos Artúlio segue falando…

Ele foi grande, notável.

Uma legenda do teatro, da TV, do cinema, das artes…

Mas, querem saber, penso que hoje ele representa o seu melhor – e mais autêntico – personagem.

Continua brilhante.

Um canto triste…

Pranto

Quanto a mim, o que me mantém vivo é o risco iminente da paixão e seus coadjuvantes, amor, ódio, gozo, misericórdia.”

Rubem Fonseca – (1925/2020)

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