UMA NOVELA BLOGUEIRA – (Foto: Arquivo Pessoal)
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Permitam-me a pausa.
Isadora a merece.
Tenho que reconhecer.
Muito por causa dela passei no vestibular da universidade na primeira chamada – e assim me fiz jornalista e, vá lá, escritor.
Sei, sei que foi há bem mais tempo do que eu gostaria de admitir.
Mas, vale a lembrança.
Tanto queria impressionar a Profa. Isa que por pouco não gabaritei no primeiro simulado de Literatura. Acertei 93 das 100 questões que deveria responder.
Os professores pensaram que eu fosse um gênio.
O cursinho aumentou o desconto da minha bolsa de estudo – o Velho Aldo, meu pai, agradeceu.
E eu tratei de manter a fama.
De boa, na verdade, eu era apenas um garoto suburbano que ouvia Beatles e Rolling Stones – e, tolo que só, se imaginou perdidamente apaixonado.
E Isadora, a Profa. Isa, nem aí pra mim.
Pois é…
Deixemos o passado no passado, voltemos para a Pousada Estrela dos Boêmios.
(Lindo nome, inspirador.)
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A programação do dia era repleta, movimentada.
Como disse viemos em bando. Em tese, deveríamos escolher um passeio a ser feito ainda naquela manhã.
A duração estimada – ida e volta -, coisa de duas horas e meia a três horas, fosse qual fosse a aventura.
Almoçaríamos no casarão na volta. Com direito à tal comida típica da fazenda e espiadela nos aposentos ‘históricos’.
Teríamos um tempo para a pequena sesta nas redes que os funcionários espalhariam sobre a tenda – e lá pelas 16 horas seguiríamos para a nossa base em Barreiro.
Chegaríamos à noitinha.
Uma boa jornada, portanto.
Levamos em torno de três horas para subir a montanha. Para voltar, a viagem seria mais demorada.
– Não é assim: pra baixo todo santo ajuda. Aqui, na Serra, na descida, todo zelo é cuidado.
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É o motorista do nosso jipe quem diz.
Parece-me um senhor sensato.
Preza a segurança.
Tem experiência no trajeto e um jeito diferente de falar.
– Pela manhã, todos os caminhos vêm. À tardinha, todos os caminhos vão… Assim é a vida na Serra da Bocaina.
Olhares ressabiados entre nós, os forasteiros.
Olhares e apreensões, porém, logo serenados por um dos rapazes da Pousada:
– Vive fraseando. Por isso, o chamam de Filósofo. Mas o nome dele é Felisberto.
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Felisberto. Tive um amigo na infância com este nome.
Nós o chamávamos de Betão.
Ando cheio das recordações…
Deve ser a idade, o lugar, sei não.
Sei que esse mesmo funcionário foi quem me resgatou no mirante para que eu me enturmasse de novo.
– É a hora boa. Vamos escolher o passeio, doutor?
Tem essa agora! – penso cá comigo enquanto o jovem listava o cardápio de atrações: andar a cavalo, visitar a Cachoeira de São Izidro, caminhada até a Casa de Pedra, trilha de bike até o Lajeado, caminhada até o Pico do Gavião, conhecer o morro com a rampa para salto de asa delta, outra caminhada, outra cachoeira, outra…
Fiz um sinal com a mão para que cessasse a lista.
O rapaz entendeu que eu já havia escolhido, mas tentou me orientar. Usou o bordão dos médicos que habitualmente me atendem:
– Nos conformes da sua idade, eu aconselharia…
Não deixei que terminasse:
– Ainda tem café e bolo – perguntei
– Creio que sim, doutor.
Não sou doutor, explico. E concluo:
– Então, anote aí, santo. Vou ficar por aqui. Beleza?
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Jorge Tarquini
8, abril, 2020Ah, as paixões escolares e as viagens inesquecíveis…