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O que o tempo leva… (33)

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UMA NOVELA BLOGUEIRA – (Foto: Arquivo Pessoal)

 

“VISITE  O APARTAMENTO DECORADO”, o Ator e o apê sem paredes internas, cenas de um velho filme que volta a rever…

 

O Ator não resistiu ao chamamento da placa em frente ao prédio em fase de acabamento.

Situava-se numa pequena rua, próxima a uma das grandes avenidas paulistanas.

— Bom dia. Meu nome é Luci. Em que posso ajudá-lo?

A corretora do Plantão de Vendas fechou a revista feminina que estava lendo e veio atendê-lo. Logo se pôs a falar da ventura de morar num lugar como aquele, “uma ótima oportunidade de negócio perto do shopping”, com metrô a menos de 100 metros e  “acesso fácil ao que há de melhor em Sampa”.

— Mesmo se o senhor estiver pensando unicamente em investir. O retorno financeiro é garantido. Um juiz de Direito comprou duas unidades e…

A jovem continuou o canto da sereia. Mas, decididamente, ele pouco ou quase nada ouviu. Cinemark é nada para o que lhe acontecia. Sua mente serviu de tela para que cenas de um ‘velho’ filme voltassem ao cartaz.

Um ano antes, pouco mais pouco menos, também parou por ali e repetiu o mesmo trajeto. Com uma diferença. Entrou com o firme propósito de comprar um daqueles apartamentos; se possível, num dos andares mais altos. Queria fazer surpresa à mulher amada, a quem chamou de A Definitiva.

Pudera!

Viviam um momento bonito. Estavam apaixonados. Quer dizer, ele estava. A recíproca talvez não fosse tão verdadeira assim Mas, à época, acreditou que sim. Até porque sempre se divertiram quando estavam juntos. Inclusive planejavam viver de um jeito incomum. Tinham planos – muitos – para ser felizes.

Viajariam sempre que pudessem. Conversas mil sobre tudo e sobre todos. Os amigos seriam poucos, mas verdadeiros. Saberiam dar força um ao outro sempre que fosse necessário. Seriam felizes.

Ah! Planejavam morar num canto legal, um lugar que desse saída para todos os cantos da cidade. Se possível, com metrô por perto para que ambos pudessem escapar do martírio do trânsito paulistano.

Importante.

O apartamento não teria paredes internas a separar os cômodos. Assim, estariam juntos o tempo todo. Ouviriam a mesma música, veriam o mesmo filme, comeriam no mesmo prato.

Amor, muito amor. Tudo. Loucamente.

Devaneios.

É certo que, por vezes, ele precisaria ser tolerante porque a morena tinha uma estranha compulsão em assistir aos tais talk-shows de fim de noite. Ela, por sua vez, também precisaria ser paciente porque o Ator preferia ler a ver televisão.

Se não houvesse mesmo paredes na casa, como fariam?

Mas isso, imaginou ele, se resolveria depois e harmosiosamente.

Um ano antes, aquele prédio de linhas clássicas lhe pareceu perfeito – ainda em fase inicial da construção – para a execução do projeto “Viver no Paraíso”.

(Paraíso, aliás, era o nome do bairro.)

Hoje, porém, entrou ali só por entrar.

— Então, vamos fechar negócio?

A corretora tinha plena certeza de que o havia convencido. Afinal, uma expressão de encantamento brilhava naquele rosto, de traços fortes, que, desconfiou a moça, lhe era familiar.

Chegou mesmo a estender formulário e caneta para o preenchimento.

Um sorriso amarelo, sem graça. Olhou o relógio, estava atrasado para o trabalho. Desculpou-se e repetiu à vendedora a última coisa que ouviu da então mulher amada.

— Um dia, quem sabe?

Ainda nenhum comentário.

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