UMA NOVELA BLOGUEIRA – (Foto: Arquivo Pessoal)
…
Arranjei uma pequena grande confusão.
Não sabem ao certo o que fazer comigo (Tipo aquela samambaia que cresceu além da conta – e agora atrapalha a passagem de todo mundo).
Chi se ne frega! – como diziam os italianos amigos do pai no Bar Astória, a beber cerveja e jogar Patrão e Sotto.
…
Sou de ascendência italiana, capiche?
Dos dois ramos da família.
Por parte de mãe, os Chisolini se orgulhavam em dizer que vieram de Mantova e de Florença.
Já o vô Carlito, embora nascido em Cascatinha no Rio de Janeiro, contava que os pais, os Avezzani, chegaram de Nápoles.
Por parte de pai, a coisa era mais simplória.
Martinos e Leones aqui aportaram no início do século 20, vindos da Calábria.
Era só o que diziam.
E só o que se sabe ainda hoje.
…
O norte e o sul da Velha Bota têm lá suas diferenças.
Digamos que os de cima se consideram mais ricos e cultos e belos enquanto os do sul são mais rústicos e turrões e belos.
Toda vez que o pai fazia das suas, não era raro a mãe justificar com o comentário nada lisonjeiro:
– Ah, calabrês, foi o diabo que te fez.
Como o pai aprontava muito e estava sempre em dívida com a mãe, ele apenas sorria e deixava vida seguir naturalmente.
E assim a vida seguia.
Ô saudade!
…
Uma história que se ouvia na família (da mãe, lógico) ‘enaltecia’ a teimosia dos calabreses.
Era a seguinte:
Depois de andar pelo mundo, um homem, obviamente calabrês, quis voltar pra sua aldeia no sul da Itália. Andou, andou, até que encontrou o Senhor, disfarçado de eremita em uma clareira, que lhe disse:
– Bom homem, me diga aonde vai?
Ele respondeu:
– Ora, volto pra minha terra.
E o Senhor:
– Deveria dizer: ‘com a graça de Deus’.
– Volto pra minha terra, e pronto e basta – reiterou o calabrês.
O Senhor não perdoou:
– Então, por sua teimosia, será punido. Ficará preso por sete anos no charco da Solidão.
Naquele preciso momento, o caminhante virou um sapo e ficou a coaxar por sete anos no tal local determinado. A pular de lá pra cá e de cá pra lá.
Passado este período, desfez-se o encanto e o calabrês retomou sua caminhada.
Andou algumas léguas e outra vez o eremita/Senhor se interpôs aos seus passos, com a mesma indagação:
– Bom homem, me diga aonde vai?
– Ora, volto pra minha terra.
– Deveria dizer: ‘com a graça de Deus’.
Desta vez, o calabrês sequer chegou a responder.
Entendeu com quem dialogava e, bem a seu modo, resmungando alguns impropérios, retomou o rumo do Charco.
…
Essa historieta, como disse, ouvia na casa de meus avós maternos.
Há coisa de ano e tanto, passei uns dias recentes em Réggio Calábria, na ponta da Bota, e fiquei sabendo que o conto é do Norte da Itália e retrata o jeito de encarar a vida dos moradores de Biella, na região de Piemonte.
Houve também quem creditasse a façanha aos moradores de Trieste.
Os regiocalabreses se empolgaram na discussão da origem da fábula – e, sinceramente, saí da roda sem saber em quem acreditar.
…
Não importa muito. Não importa nada.
Também por aqui, neste Brasilzão de meu Deus transfigurado ou não de eremita, vejo muita gente tinhosa que só.
Mandando e desmandando.
Mas, isto é outra história que fica para uma próxima vez.
…
E nada do café chegar.
Bolo, então, pelo jeito, nem pensar.
…
O que você acha?