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O que o tempo leva… (44)

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UMA NOVELA BLOGUEIRA – (Foto: Arquivo Pessoal)

 

Será que um dia eu habitei mesmo o improvável Planeta Sonho? Ou sou mero personagem de mim mesmo? Hoje me vejo tal e qual o Felisberto…

 

Não lembro bem qual das Dulcineias foi a que um dia me alertou:

– Cara, quer a real? Não estamos sozinhos no mundo!

Não sei, não lembro.

Sou egocêntrico, reconheço. Vaidoso.

(Um desvio da profissão.)

Não vivia um bom momento, creio. A carreira tem altos e baixos, já disse. Barulha tudo.

A Deusa Hindu também chamou minha atenção em outra ocasião:

– Você é muito disperso. Precisa ter foco. Quer aprender a meditar? Eu lhe ensino.

Sou uno e indizível, respondi. Senhor do meu fadário e das bobagens que digo antes de pensar.

Inexorável.

O tempo a tudo transforma.

Por instantes, hoje, me vejo tal e qual o Felisberto.

Será que um dia eu habitei mesmo o improvável Planeta Sonho?

Fui o que imaginei ter sido?

Ou sou um mero personagem de mim mesmo que, diga-se de passagem, interpretei lá sem grande convicção?

O vazio pode nos enlouquecer.

Melhor do que aqueles dias dolorosos, conversas ácidas, difíceis. Farpas, culpas, mágoas. A vocação de ser ator (somos capazes de viver uma existência inteira em três atos, pouco mais de duas horas) e o amor propriamente dito (e só o ardentemente vivido) têm muito a ver. Permanecem intactos em mim.

Os dias, a vida em si os fez soçobrar.

Quem sabe ainda eu retome a carreira?

Não tenho como hoje prever.

Quanto a ela – de quem estou falando mesmo? -, marcamos o tal encontro, definitivo.

Ela não veio.

“Porteiraaaaa!!!”

Fuscão parado, eis que Felisberto anuncia com voz de locutor de rodeio.

Deixa o ritual para depois.

Antes de descer, tal e qual um guia turístico, apresenta a grande atração:

– Estamos diante da Pedra Azul, aquele morro à direita. Repare que os raios solares, nessa hora, deixam toda a vegetação coberta de uma cor alaranjada que é uma belezura de se ver. Pela manhã, a luz tem outra tonalidade, faz o verde apresentar variações que cintilam e, muitas vezes, se confundem com o azul do céu.

Vou conferir amanhã.

Felisberto continua. Sabe de cor o que tem a declamar neste ponto:

– Dizem, não sei se é verdade, que o lugar é encantado. Quem penetrar na mata, percorrer a trilha e chegar ao topo, se gritar o nome da mulher amada, ela será sua para sempre.

Olho desconfiado para o meu interlocutor.

Ele entende e se explica. Sempre no mesmo tom. Como se fossem muitos os presentes:

– Aviso aos navegantes em terra: comigo, não funcionou. Gritei, berrei e cheguei a me esganiçar. Tudo o que consegui foi um baita susto. Vi o arbusto mexer forte, era um dia sem vento. Arregalei os olhos pensando que era onça (que tem uma ou outra por aqui), mas era cobra mesmo, e das grandes.

Melhor não insistir, ok?

Rimos do nosso infortúnio amoroso-sentimental.

Só faltou um vinho para brindarmos:

À arte de viver e amar!

Olho ao redor.

Estou diante de um bosque irregular, de araucárias que tomam todo o vale entre a tal Pedra Azul e o ameaçador Bico do Gavião, em perspectiva e bem distante.

(Umas três horas e meia de caminhada, soube depois.)

Conclusão imediata: não será fácil habituar-me ao novo mundo.

À primeira vista, de uma beleza singular.

Porém, e sempre existe um porém, absolutamente estranho a um ser urbanóide como eu.

Valei-me!

Pensando bem, bancando o sincerão comigo mesmo. Que o Felisberto não me ouça:

Sempre fui ponte – nunca, destino

 

 

 

 

 

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