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O que o tempo leva… (8)

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UMA NOVELA BLOGUEIRA(Foto: Wilson Luque)

O Tio Carlos é legal.

Tava pensando, agora que ele está pra chegar que…

Ops.

Que fuzarca é essa?

De onde surgiram esses moleques entrões?

Que algazarra!

Pior é que os conheço.

Betão, Toinho, Nestor, Claudinho Zeola, Paulinho Dabaía, Giusepe, Vaqueta, Bilex, Tchinim.

Todos da minha turminha de infância, lá na Muniz de Souza.

Rapaziada, sossega o facho. Vocês pensam que estão no barrancão do Jardim da Aclimação onde reinávamos junto ao lago?

Meninos, lembrem a conversa do cachorro da igreja, da porta aberta e cousa e lousa…

Olha a minha reputação, sou…

O que eu sou mesmo?

Será que sou jornalista ou ainda, como eles, permaneço moleque de rua, aprontando todas – ou quase todas?

Jeeesuuus!

É essa casa aqui! Só pode ter feitiço?

É do barulho, mal (ou bem) assombrada, portal para outro tempo, sabe lá…

O que eles fazem aqui?

Até o meu primo Marquinhos está aí. Todo pampeiro.

E o Tchinim que não para de matraquear.

Assim vai chamar a atenção de todo mundo.

O Tio Carlos é bacana, o Tio Carlos é legal.

Ele é engraçado.

(Ninguém conhece o cara, e essa agora? Tio Carlos, Tio Carlos. De onde tiraram?)

Poucas vezes, vem pra cá, na cidade das invencionices onde ainda podemos acalentar o menino que um dia fomos e sempre seremos, depende de como a gente se comporta, né?

Tem que preservar o enleio – e se alimentar de luz. Confere?

(É o Tchinim mesmo, o rei da redação no colégio marista da Glória e os seus palavrórios. Acalentar? Enleio? Se alimentar de luz?

Uma embromação, isto sim.

Ele não para…)

Quando o Tio Carlos vem, é show de bola porque fica contando histórias e mais histórias que nem sei de onde ele tira.

Aí, as pessoas que ouvem ficam com uma cara de espanto, como se tivessem visto um dos monstros daqueles desenhos do Fhash Gordon.

Ele ri que ri e depois fala que não foi com ele que aconteceu, não.

Foi com um amigo do amigo do amigo.

Aí, todos ficam mais desconfiados e ninguém sabe se é verdade ou mentira.

Se foi ou não foi com ele que aconteceu.

Se ele inventou ou tirou de algum livro ou de um filme.

Eu sempre pergunto por que ele faz assim. Conta a história como se fosse o personagem principal e depois desmente, ou quase. Ele me disse que era um segredo, mas ia me dizer. Ele gosta de mim. Quer dizer, diz que gosta de todos nós.

“Assim as pessoas nunca sabem se eu sou eu ou se eu sou o que as minhas histórias contam. Gente grande gosta de dizer como os outros devem viver. E não cuidam do que fazem. Ademais, a vida às vezes precisa de um tiquinho de poesia pra ganhar cor e sentido.”

Não entendi bem, mas sei que eu tenho um amigo, o Torquato, lá no Glória e o apelido dele é Tiquinho, mas ele nunca me disse que era poeta.

Verdade das mais verdadeira, não é turma?

– Fala, gente boa!

Gente boa, quem?

-Acorda, gente boa! Acorda que logo está na hora do almoço!

A voz empostada, que me desperta do inoportuno cochilo, me soa conhecida. Natural, sem afetação. Parece sair das ondas sonoras de um rádio daqueles bem antigos.

Acordo. Que jeito sem jeito?

Ainda estou na varanda do casarão da Pousada – e, melhor, não há nenhum guri por perto.

Foi um sonho, minha gente. Um quase pesadelo.

Me ajeito na poltrona, tiro o boné do rosto (não necessariamente nessa ordem).

E encaro o senhor ao pé da escada, à minha frente. Cabelos grisalhos, algo revoltos, ajustados à cabeça por uma tiara fina de couro – me lembra aquele personagem de Clint Eastwood em As Pontes de Madison, ô filme porreta pra fazer chorar… Um amor fora de hora. Tem hora pr’amar?

Tresvario.

Ele se antecipa à minha fala:

– Você que é o jornalista italiano, não?

Dou um sorriso sem graça.

– Prazer, meu nome é Carlos Artúlio. Mas, por essas plagas, uns  me chamam de Compadre, outros de Tio Carlos. Fique à vontade. Desculpe o mau jeito de lhe tirar da boa soneca. Mas, logo a turma chega dos passeios, o almoço – enfim, vamos entrar. A casa é nossa.

­­­­­ Ai, ai, ai.

Então esse é o Tio Carlos que é bacana, que é legal.

Esse cara me lembra alguém importante…

O canto da saudade…

Moraes Moreira (1947-2020) 

Nosso eterno cantador das estradas do alegrar-se…

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