UMA NOVELA BLOGUEIRA – (Foto: Reprodução)
O teatro perdeu o passo? Houve um tempo de luta e compromisso. Parceria: o palco e a vida. E agora? A esparrela de olhar para o próprio umbigo…
– A arte existe porque a vida só não basta, doutor.
Eu e minha mania de pensar em voz alta.
Acabei por perturbar o Felisberto.
Não é à toa que o chamam de Filósofo. Melhor do que eu soube responder à pergunta que me fiz. Não sei se sem querer ou de propósito acaba de citar o grande Ferreira Goulart que conheci há muitos e muitos anos, mas não chegamos a ficar amigos.
É bem por aí.
…
Houve uma época em que o teatro chutou para o alto o conservadorismo.
Tempo do Teatro de Arena, de Boal.
Tempo de Roda Viva, do Chico Buarque.
De O Rei da Vela, de Oswald de Andrade no Oficina e outras tantas aventuras renovadoras.
Combateu-se a ditadura de forma corajosa, contundente. Enfrentou-se a censura e o arbítrio. Fomos vitais para o êxito das manifestações pelas Diretas-Já que, de uma forma ou de outra, consolidaram como plena realidade o processo de redemocratização do país.
Mas, a partir daí, uma ou outra montagem se propôs a fugir ao lugar comum.
Antunes Filho, certamente. Quem mais?
Estou sendo radical?
…
Éramos os antenados, os precursores do novo, arautos de uma sociedade mais justa, mais contemporânea. De um ser humano mais solidário.
Onde perdemos o passo?
Faço o meá-culpa, pois também caí em tentação, na esparrela de só olhar para o próprio umbigo.
Passamos a ser conivente com o sistema, os que estão no poder.
Que poder? Qualquer poder.
Foi bem mais cômodo servir a um só patrão, tanto no palco como nos estúdios de TV.
Em troca, viramos pessoas ilustres, importantes. Somos convidados – e alguns regiamente pagos – para frequentar festas e recepções dos novos ricos, os emergentes insossos. Se preservarmos a imagem pura e bela, seremos chamados pelas as agências de publicidade para campanhas milionárias, com altíssimo cachê. E todos passam a nos invejar por isso.
Quando a Poderosa nos contrata, então, diz aí!
É o auge.
Passamos a usar o crachá globalizante na alma.
Às favas, o ameríndio em cena.
Às favas, os sonhos, o compromisso, a utopia.
Às favas, eu mesmo!
…
Pronto.
Exatamente esse rancor que quero deixar para trás.
Nada adianta ficar remoendo mágoas, remorsos.
Fiz o caminho à minha maneira. My way.
Aliás, tive a sincera impressão de que o século 20 havia acabado quando soube da morte de Frank Sinatra.
Eu e muitos como eu também morremos um pouco naquele momento.
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Exagero?
Ok. Há um paradoxo aí.
Sinatra não tinha nada de contestador, revolucionário. Mas, sempre foi a referência de uma geração que amava e amava e amava até as últimas e avassaladoras consequências.
O que Sinatra sofreu por amor quando Ava Gardner o deixou foi qualquer coisa!
O ídolo mundial, devastado. Apesar de toda a fama, todo o dinheiro e as mais belas canções.
…
Disse isso à moça, certa vez.
Sabe o que me respondeu?
– Alguma ele aprontou.
Rebati:
– Não fale assim.
– Dizem que os homens são solidários. Nós, mulheres também, mô.
Fiquei em silêncio. Talvez houvesse ali um desencontro geracional.
Na verdade, sou um cara à moda antiga.
– Vem, vamos andar na praia, vai ser bom.
…
A propósito, lembro que li a biografia do ator italiano Marcello Mastroianni, aquele que viveu um (quase) secreto romance com a deslumbrante Catherine Deneuve. Há, em um dos trechos, um tocante depoimento ao escritor Enzo Biagi.
O ator compara nossa existência às férias de verão:
“No primeiros dias, pensamos que nunca terão fim. Mas, rapidamente, quando nos damos conta, já se acabaram, e deixamos tantas coisas por fazer. Quando era jovem, pensava que era eterno, e creio que todo o jovem pensa assim. Agora sei que, da vida, já vivi o meu melhor – e só posso agradecer o fato de continuar vivo e trabalhando, com tantos amigos por perto.”
Mastroianni deveria ter, à época, a idade que hoje tenho.
Reconheço, porém, estou longe de ter a magnificência do grande ator italiano.
…
Eu acabara de visitar o apartamento sem paredes, aquele que não comprei. Era um dia tipicamente paulistano. Borralhento e desalentado. Olhei pela janela. Estava só. Longe da praia, longe dela e não havia sequer a linha do horizonte para me amparar.
Entendi que era a hora de partir…
…
VERONICA PATRICIA ARAVENA CORTES
27, maio, 2020Nossa, essa citação foi forte!