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O rabisco e o risco

Eu me divirto com a meninada.

Não sei se a recíproca é verdadeira.

Pode ser que sim…

Noite dessas, enquanto corrigia os trabalhos que os grupos de alunos acabavam de me entregar, eu os comentava e, sem me dar conta, rabiscava trechos de minhas observações na margem das páginas.

Uma das estudantes não se conteve diante da sucessão de garranchos e fez, ela também, uma observação interessante:

— O professor poderia ser médico, né? Só mesmo farmacêutico para entender a letra dele.

Dei razão parcial à jovem.

Eu mesmo peno para entender o que escrevo em meus blocos de anotações.

No entanto, fiz questão de fazer a ressalva e contar uma história.

II.

A ressalva:

A humanidade nunca correu o risco de me ver médico.

Para o bem de todos e felicidade geral do Planeta.

Não tenho a vocação, e o dom.

III.

A história:

Tinha por volta de dez, onze anos.

Houve um acidente perto de casa, na rua Antônio Tavares, envolvendo um
trólebus que perdeu os freios e acabou por invadir uma casa. Muitas pessoas ficaram feridas.

Eu estava andando de bicicleta e, de repente, me vi diante daquele cenário.

Quando vi os corpos estendidos, o sangue a escorrer do rosto do motorista e o desespero das pessoas, fiquei tão impressionado que rapidamente sai do local aturdido com o som das sirenes das viaturas de socorro que chegavam.

Corri direto para casa – e nem me dei conta que eu ali chegara de bicicleta nova que ganhara naquele dia.

A mãe me deu água com açúcar. Falou para eu me distrair com um gibi que todos estavam bem.

Ali no meu retiro forçado, tive certeza de que não seria médico.

IV.

Horas depois, alguns amigos me trouxeram a ‘magrela’ e riram do meu pânico.

— Ê, Tichnim, você é maluco mesmo!

— Pensei que meu pai estivesse no ônibus, justifiquei em vão.

V.

Resolvi cortar minhas lembranças e voltar à correção do trabalho, mas a aluna não perdoou:

— Nossa, professor, já havia trólebus naquele tempo?

— Existiam, sim. Só que nós os chamávamos de ônibus elétrico. Se bobear, alguns desses veículos continuam ainda hoje a fazer a linha Gentil de Moura-Praça João Mendes. Mas, voltemos à aula…

(Mais um segundinho e eu seria obrigado a lhe dizer que minha bicicleta era uma Monark – aro 20, com breque no pedal…)