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O rei do iê-iê-iê…

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Para Renato Barros (1943/2020)

Não lembro precisamente quando foi.

Faz um bom tempo.

Lá pelos idos de 2007 ou 2008, talvez.

Precisei ir ao aeroporto de Congonhas buscar minha octogenária mãe Dona Yolanda que viria num voo de Vitória onde foi visitar a mana Rosa, o neto Beto e seus familiares.

Tomei um baita susto quando entrei na movimentada ala de desembarque.

Pensei que estivesse no túnel do tempo.

Verdade verdadeira.

Era manhã de sábado, ensolarada manhã.

Havia uma multidão de pré-adolescentes, eufóricas, entre gritinhos e a expectativa de que alguma celebridade estava prestes a chegar.

Sempre soube da popularidade da saudosa Dona Yolanda no quarteirão onde morou por quase quarenta anos na Vila Planalto, mas deduzi, por óbvio, que não chegaria a tanto.

Olhei ao redor e descobri um circunspecto senhor, ares de motorista profissional, segurando uma enorme placa que dizia simplesmente:

RENATO E SEUS BLUES CAPS

O quê, hein!!!

A cena, creiam leitores, já tomava contornos de nostálgica alucinação quando, por sorte, identifiquei um grupo de jovens (para os padrões dos anos 60) senhores atravessar intacto a multidão, dirigir-se ao senhor do cartaz e, com ele, desaparecer pelos portões de saída do aeroporto.

Não preciso dizer, mas digo: aquele cidadão que passou, de bolsa de couro à moda dos idos tempos e cabeleira retinta de acaju a lhe a cobrir as orelhas, era o próprio Renato Barros.

Os demais deveriam ser novos e antigos “blues caps” que não fui capaz de distinguir.

Lembro que contei a cena a alguns amigos, tempos depois, porque eles mostravam-se empolgados  com o show que Paul McCartney faria em São Paulo naquele fim de semana.

Meus parças diziam-se maravilhados, pois o indefectível Paul iria cantar alguns clássicos dos Beatles.

Daí me veio a ideia de sugerir aos organizadores de convidarem Renato e o grupo carioca para fazer o ‘esquenta’ do megashow.

– Seria mamão com açúcar – concordou o amigo Carioca, o único a entender o sentido do que eu disse.

Os demais camaradas riram da minha sugestão – e eu abandonei, a contragosto, o devaneio.

Mas, creiam, seria bem divertido, especialmente para quem, como eu e o Carioca, tínhamos à época mais de 50.

Explico:

Renato e Seus Blues Caps foi o grupo que mais emplacou versões para as músicas dos Beatles nos tempos da Jovem Guarda.

Querem ver?

“Menina Linda”, “Feche os Olhos”, “Você Não Soube Amar”, “Até o Fim”, “Ana”, “A Irmã do Meu Melhor Amigo”, “A Dona do Meu Coração”, entre outros sucessos, eram todos da matriz de Liverpool.

Entre nós, os garotos remediados, suburbanos e sonhadores do bairro operário do Cambuci, eram eles os verdadeiros reis do iê-iê-iê.

Adorávamos os Beatles e os Rollings Stones, mas cantávamos mesmo na pátria língua, sem qualquer pudor:

Feche os olhos e sinta
Um beijinho agora
De alguém
Que não vive sem você…

Às  vezes, eu penso que ninguém me entende.

Mas, tudo bem, só às vezes.

Sigamos…

* Em tempo e a propósito: Poucos minutos depois, vi um pessoal com camisetas da MTV fazer um cordão de isolamento para abrir passagem a três ou quatro garotos imberbes, de roupas coloridas e ares de stars. Não cuidei de lhes saber o nome. Aí, sim, as tietes entraram em ruidoso delírio, mas sem resultados práticos. Todos entraram ilesos na van que os levou dali. As mocinhas também se foram, deixando a ala vazia para que, enfim, a dona Yolanda pudesse chegar sem quaisquer transtornos.

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