VIII.
Com ares de fanfarrão, esse Dogival nenhum de nós conhecia.
— Pois, então senhores, peçam mais cerveja e sentem, pois lá vem história. Primeiro, ela sugeriu que fossemos a um restaurante.
— E você? – perguntei.
–Topei, lógico. Educado, como o Nasci me recomendou, deixei que escolhesse o local. Rodamos um tantinho e paramos em frente a um desses casarões antigos, bonitos que só vendo, todo iluminado. Ela disse: “é aqui”, com um sorriso lindo, lindo.
— Devia ser caro? – palpitou outro curioso.
— Para vocês terem uma idéia, na hora senti tremer o cartão de crédito que estava no bolso. Mas, beleza. Deixei a chave do Chevettinho com o recepcionista que me olhou desconfiado e logo apressou o manobrista dizendo: “Esconde essa bicheira bem escondidinha para não assustar a clientela”.
— E você? – mais um dos nossos aparteou.
— Eu, educado como Nasci ensinou e com aquele mulherão, fiz que não ouvi. Sentamos e ela pediu o menu e a carta de vinho. Fique à vontade, eu disse. Ela, aliás, já estava. Só o cartão que voltou a se inquietar no bolso…
— Ele estava com medo de derreter – eu disse.
— E não era para menos. Hora e meia depois, quando veio a conta, preferi nem ver. Uma baita fileira de zeros pra atrás dos primeiros dígitos. Mas, relevei, não estava lidando com a bandidagem, foi isso o que o Nasci me disse e por isso nem conferi. Depois, meu coração ficou transtornado quando ela pediu jeitosa: “Me leva para o seu flat?” Passei o cartão na boa – e fomos embora.
IX.
“Flat!” – todos exclamaram.
Desde quando o Dogival morava em flat. Que a gente sabia o cara mora num sobradinho de aluguel, ali, no Moinho Velho.
Flat?
— Meus caros, quem está na chuva é para se molhar. Embiquei o carro na direção de Moema e entrei no primeiro que apareceu. Vocês precisavam ver a expressão da moça quando entramos. Perguntou se eu conhecia os bacanas que se hospedavam ali, quando vinham a São Paulo. Deu uma relação de nomes de políticos, artistas, empresários – todos magnatas.
— E você desconversou? – alguém provocou.
— Fui meio cínico, confesso. Mas, foi necessário. Respondi, já dando um ‘chega mais’ na moça: “Amorzinho, aqui, são eles que me conhecem. Sou o Rei do Pedaço. Mando prender e mando soltar”. Foi uma noite maravilhosa – e não vou entrar em detalhes porque, como bem disse o Nasci, sou um cara educado. E não é de bom tom ficar expondo assim, aos olhos de gabirus como vocês, tudo o que rolou naquele quarto. Direi apenas que nosso café da manhã foi regado a champagne francesa. Ulalá…
X.
Enfim, o Nasci, prevendo o pior, se pronunciou:
— É claro que você pagou com o cartão.
— Sou um cara educado, como você me ensinou. Cartão é mais elegante.
— E nem olhou o tamanho da encrenca.
— Um excêntrico, como ela disse. Passei o cartão e pronto.
— Só uma perguntinha, Dogiva.
— Fique à vontade, Mestre.
— Como você imagina pagar a fatura que, amanhã ou depois, vai chegar na tua casa.
— Na minha casa não, Nasci.
— Como assim?
— Vai chegar na sua casa, Mestre. Achei o cartão no bolso do paletó. Do seu paletó.
[Texto publicado no livro "Meus Caros Amigos – Crônicas sobre jornalistas, boêmios e paixões"]