Há dias que são assim…
– e, de tão assim que são, a gente faz deles lição de vida e quer compartilhar.
…
O relato de Lia:
Ser mãe é estar bem próxima ao Divino.
Tenho pouco mais de 30 anos, não sou de ir à Igreja sempre; mas, passei a entender que é assim.
Quero que me ouçam:
Dois dias depois de dar a luz à minha filha mais velha, eu estava com graves problemas para amamentar.
Hoje, sei que é normal. Mas. à época, ninguém me avisou de nada – fiquei arrasada.
“Como assim?” – perguntei aos Céus.
Não obtive resposta alguma.
Compreendi, no entanto, que não era mais a mesma (e nunca mais seria quem fui).
Não mais me pertencia autonomamente.
Havia um elo maior, dádiva perene, que agora regeria meu destino.
…
Tentei ouvir o que meu corpo dizia.
Os hormônios, que jorravam a milhão para garantir a criação daquela vida, agora se acalmavam.
Voltavam ao fluxo normal como o leito do rio que corre para o mar depois da grande cheia.
Pareciam indiferentes à imprevisibilidade dos novos tempos,
Minha mente, porém, relutava em clarear o que estava acontecendo.
Aliás, para ser bem sincera, estava surpresa, e algo desesperada.
Então, eu não seria a mãe maravilhosa como são todas as mães?
Bateu uma tremedeira só de pensar!
Que frustração!
Me vi confusa, desnorteada, à beira de uma pane generalizada.
…
A tal da amamentação era um martírio.
(Ninguém me avisou, repito!)
Doía demais. Sangrava. Exigia uma técnica, um esforço, um sei lá que sofrimento.
A garota esfomeada chorava e chorava e chorava.
E eu…
Eu chorava junto.
É o momento em que nos vemos, as mães de primeira viagem, absolutamente sozinhas e sem chão. Por mais que as pessoas estejam ao nosso redor. Falando. Aconselhando. Sugerindo. Tentando nos passar a experiência que cada qual viveu a seu modo.
O instinto de ser mãe, então, nos invade e assombra; por ser novidade, nos deixa atarantadas.
Queremos o melhor para a criança. Sempre.
Preservá-la de toda e qualquer aflição.
E momentaneamente nos vem o sentimento de culpa: não somos ‘o melhor’ para ela.
Somos frágeis, impotentes, incapazes diante de tamanha responsabilidade:
… o milagre da vida.
…
Intuitivamente, ponderei:
“O que é o melhorn para a menina?”
E desisti.
Simples e traumático assim:
Desisti.
Sim, era o que eu precisava e tinha que fazer.
Não conseguiria alimentá-la como gostaria e seria o certo.
…
Decisão tomada.
Chamei a enfermeira e, em lágrimas, disse para trazer o leite para ela que a bênção da amamentação não me fora concedida.
A moça nada disse.
Saiu do quarto em silêncio cúmplice – e eu me resignei ainda em pranto.
Minutos depois ela voltou acompanhada de outra enfermeira, uma senhora de olhos luzidios e avental azul, que sentou-se ao meu lado e, pacientemente, se dispôs a ouvir o meu relato.
Quando terminei de falar, eu já não chorava.
A senhora pegou minha mão e disse com voz suave:
“Minha filha, se algum dia tiver que desistir de algo, não o faça num dia ruim. As chances de se arrepender serão bem maiores.”
E concluiu:
” Não tire esse direito de você, nem da sua pequena. Amamentar é um ato de amor.”
…
Não sei exatamente o porquê lembrei o semblante de Maria Imaculada, Mãe de todas mães, e o manto azul da imagem no altar central da igreja, incrivelmente azul, da cidade onde nasci.
Então, chorei um choro morno, aquietado e bento.
Resolvi agradecer em oração – e persistir.
Foi o melhor que eu fiz.
Leila Kiyomura
23, outubro, 2021Que lindo e sensível. Relato doce e delicado do ser mãe… verdadeiramente mãe Lia.
Mas lembro do pai jornalista como o filho. Um super pai …