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O Sonho de Jacó

Uma conversa leva à outra, certo?

Então continuemos a conversa de ontem, mas vamos para outro lugar. Ainda na encantadora Madri, convido vocês a me acompanharem ao imponente Museu do Prado.

Não, não me tomem por um diletante das artes.

Estou longe disso.

Por absoluta inépcia de minha parte, não sou o que chamam “um assíduo freqüentador de galerias e museus”. Nem imagino quanto tempo faz que não vou a um desses lugares por aqui. Mas, quando estamos em viagem, consta ser obrigatória a visita a essas instituições.

Sempre fui um turista mequetrefe, confesso. Mas tenho me esforçado para mudar.

II.

Digamos que precisei levar uns trancos para a ficha cair.

Certa ocasião, quase apanhei de uma amiga.

Eu voltava de Roma e, para variar, me dizia maravilhado com as coisas da Itália.

Foi a deixa para ela me perguntar o que achei da Capela Cistina.

Ingenuamente, respondi que, enquanto o meu pessoal foi ao Vaticano, eu preferi assistir a uma partida de futebol, entre Lazio e Siena.

— Eu e meu filho adoramos futebol e…

Compreensivos leitores, vou lhes dizer. O que ouvi da Fulana não consta da venerável cartilha do respeito ao direito de cada cidadão fazer o que bem entende da própria vida. Ainda mais quando está em férias, e fora de seu magnífico país.

III.

— Da próxima vez que for a Roma, não me esquecerei de…

Vocês acham que a tal me dava alguma chance de defesa?

Ou mesmo de terminar uma frase?

Pois sim…

IV.

Voltemos a Madri.

Para não levar outro esfrega, quando a turma reservou um dia todo para ficar flanando pelo Museu do Prado, fiz cara de freqüentador do Café Filosófico e expressei toda minha aprovação.

— Ótimo, ótimo. Creio que é suficiente…

Chic no último.

V.

Lá fomos nós numa daquelas manhãs de janeiro. Lá pelas nove, já embicávamos nos grossos portões de ferro.

Começamos pela lojinha de souvenir e eu ali, firme, na maior pala de que estava interessadíssimo no porta copos com a gravura de Rafael, no botton com o logo do museu, no papel de carta com imagens de alguma madona, essas coisas sem as quais nem um ser sobrevive ao mais reles dos dias.

Não comprei nada. Sequer um daqueles imãs que enfeitam geladeira.

Porém, resisti bravamente, com nobreza e distinção.

VI.

A visita começou em ritmo contemplativo para melhor apreciarmos as obras espalhadas pelos vastos salões. Andávamos a passos contidos, diga-se. Com direito a recuos e olhares mais alongados. Uma beleza! Frente a frente a um dos mais renomados acervos da humanidade.

Não vou relacionar as obras e minhas impressões aqui para não ficar, assim, uma coisa, diria, esnobe, elitizada.

Vocês me entendem, né?

VII.

Uma tela, porém, mereceu especial atenção e preciso citá-la:

O Sonho de Jacó, de José Rivera.

Está exposta num magnífico corredor, pelo qual passamos várias vezes; pois dá acesso a outras áreas de visitação.

E também porque nos perdemos bastante lá dentro.

VIII.

Confesso a vocês.

Não foi a grandiosidade da pintura que me comoveu.

Na verdade, me identifiquei com o comentário feito por uma brasileira que também visitava o Museu. Eu e – provavelmente – ela estávamos em cacos. Enquanto isso, na tela, o patriarca de Israel a dormir o sono dos justos

Era tudo o que eu que almejava naquela hora.

— Jacó é que é feliz.

Foi o comentário da moça e eu concordei, algo desolado.

Já se passavam das 18 horas e eu ainda me arrastava por ali, sem achar a saída.

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