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O sonho que não acabou…

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Foto: Arquivo Pessoal

Passa o Rei com seu cortejo

Passa o Deus com seu andor

E milênios depois, neste caminho, apenas

Ainda sopra o vento das macieiras em flor…

Mário Quintana, em O Caminho

Meados dos anos 90. A jovem, com jeito de menina, se apresenta a mim, então o editor do jornal, como postulante ao estágio na velha redação de piso assoalhado e grandes janelões para a rua Bom Pastor.

Estranhei. Parecia tão novinha. Como poderia estar no terceiro ano do curso de jornalismo – requisito mínimo para a vaga?

Sem muito pensar, cometi a indelicadeza de lhe perguntar a idade.

Ela sorriu. Na virada dos 20 anos, a vida é de uma leveza…

E respondeu com a data do nascimento.

10 de março de 1974.

Querem saber?

Fiquei impactado com a dura constatação.

O que a moça tinha de idade, eu, naquela altura do campeonato, já ostentava de profissão.

Pois é, meus caros.

Só então me dei conta que naquele mesmo 10 de março de 1974, depois de uma brevíssima experiência sem eira, nem beira no Diário da Noite, também no terceiro ano do curso de Jornalismo da USP, eu era contratado como redator-estagiário na combativa Gazeta do Ipiranga.

Diria que foi a primeira vez, aos quarenta e quequérecos, que senti o chamado peso do tempo, aquele que não para no porto, não apita na curva, não espera ninguém.

Lembro essa historieta – e não lhes dou o nome da então jovem para não ser ainda mais indiscreto do que fui naquela tarde – para lhes dizer que:

Nada, nada,  amigos e amáveis leitores, estou nessa lida de batucar letrinhas há lá se vão 46 anos.

Não sou – e nunca fui – assim um Jorge Jesus, mas tenho um orgulho danado da minha humilde trajetória.

Fiz grandes amigos ao longo da jornada.

Combati o bom combate.

Tenho seis livros publicados.

(O sétimo e oitavo já deveriam estar a caminho.)

Enfim…

Se não pude escrever tudo o que quis.

Ao menos, tentei – e tento.

Mas, confesso: nunca escrevi o que não quis.

O que parece pouco, mas, querem saber?

Dá um trabalho danado.

Desse quase cinquentenário profissional (jornalista adora números redondos, efemérides), também dediquei pouco mais de 20 anos ao ensino da arte e do ofício do jornalismo em três ou quatro universidades.

Foi bom enquanto durou, enquanto acreditei naquilo que tinha a liberdade de lecionar.

Nunca fiz as contas de quantos estudantes assistiram às minhas aulas.

Centenas e centenas, certamente.

Milhares, talvez.

Só de cerimônias de colação de grau, creio ter participado de umas 30 ou mais. Em muitas, compareci como coordenador do curso. Em outras, fui como professor homenageado.

80 alunos por turma em média. Façam as contas…

Certa ocasião me escolheram como paraninfo.

Quanta honra!

No meu pronunciamento, fiz o seguinte destaque:

“O País precisa de jornalistas que ousem sonhar.”

(Para ler a íntegra do discurso CLIQUEM AQUI!)

Fico pensando se hoje, ao dizer o que disse, qual seria a reação do distinto público?

Aplaudiriam?

Ficariam em crítico silêncio?

Ou reagiriam com uma estrepitosa vaia?

Desconfio que essa terceira hipótese é a mais provável.

O Brasil vive um período tosco. De impensável retrocesso.

Parece querer retornar às trevas do autoritarismo e da servidão.

A propósito quero aqui me solidarizar com o professor Felipe Boff, do curso de jornalismo da Universidade do Vale dos Sinos – Unisinos – em São Leopoldo, no Rio Grande do Sul.

Escolhido como paraninfo da turma, ele foi hostilizado pela plateia durante seu discurso na tribuna da colação de grau da turma de 2019.

Um horror.

Precisou sair escoltado do auditório, segundo reportagem do site Jornalistas Livres.

Faço minhas as palavras que honrosamente proferiu no ato:

A imprensa brasileira vive seus dias mais difíceis desde a ditadura militar. Entre 1964 e 1985, jornalistas foram censurados, perseguidos, presos, torturados e assassinados, como Vladimir Herzog.

Hoje somos insultados nas redes e nas ruas, perseguidos por milícias virtuais e reais, cerceados e desrespeitados por autoridades que se sentem desobrigadas de prestar contas à sociedade.

*AQUI, a reportagem!

Leiam também:

Um professor contra a barbárie

Jornalismo, meus caros, é caráter.

Jornalismo é resistência.

Se não for assim, se é para ficar batendo palmas pra maluco dançar, por que então escolher o jornalismo como profissão e razão de vida?

Jornalismo é missão.

Não faz qualquer sentido, concordam?

Dizem que o Jornalismo mudou nesses anos todos – e mudou, sim. Na forma, na multiplicação e convergência das plataformas midiáticas, no jeito de capturar o leitor/espectador. Mas, na essência, que me desculpem os descolados, moderninhos e congêneres, é o mesmo:

Jornalismo propõe a transformação social e a defesa do bem comum. Da democracia. Dos direitos cidadãos e, principalmente, da justiça social.

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