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Os amantes

Olhei o homem como quem vê um alienígena em plena tarde ensolarada de segunda-feira. Ele caminhava solitário pela pista que volteia o Lago da Aclimação, destoando totalmente daquele, vá lá, bucólico cenário outonal.

O homem vestia-se como quem despencara de uma repartição, daquelas bem formais, bem antiguinhas. Terno escuro, de corte conservador, camisa clara e gravata igualmente em tons sóbrios, com o nó levemente afrouxado na altura do colarinho,

Talvez por isso tenha me chamado atenção.

Tem mais.

Para completar o quadro dissonante, trazia em uma das mãos uma dessas maletas de couro preta a denunciar que o acaso lhe trouxera até ali.

Com qual finalidade, não sei – mas me pus a imaginar.

Vale dizer que eu acompanhava a tribo dos momentaneamente desocupados que, em plena tarde de segundona braba, transitavam por ali em busca de lazer e/ou recreação e/ou exercício físico que o médico recomendou e/ou simples espairecer. Todos nós com roupas esportivas e apropriadas às finalidades supracitadas.

Não sei exatamente por que carga d’água troquei as lembranças abençoadas da infância que ali vivi pela figura incômoda do dito-cujo que trazia nas feições a angústia das coisas que se perderam.

Será que o emprego do cidadão já era? Brigou com o patrão na certa. Pode ser que houve alguns ajustes na empresa em que trabalha(…)va.

Pode ser que, por algum vacilo, ele perdeu de fechar um bom negócio. Pode ser…

Pode ser doença em família.

Pode ser que tenha tomado um fora da mulher amada.

As dores de amor são sempre imaginárias, mas lancinantes.

Pode ser tanta coisa.

“Tudo é tudo e nada é nada” – assim filosofou o grande Tim Maia.

Estava nessa de entender o que tanto o afligia quando vejo, uma moça, dessas de entortar o pescoço da homarada, caminhando no sentido contrário ao dele. Ela, também, era uma alienígena com roupas sociais. Abriu um largo sorriso quando o viu. Correu ao seu encontro e jogou-se nos seus braços.

O beijo foi inevitável – e, depois, o olhar de ambos a conferir se havia alguém conhecido por perto foi emblemático.

Passaram por mim – sem me notar; aliás, nada mais existia ali no Parque para o casal.

Pude ouvir – mesmo tentando, por descrição, não o fazê-lo – um breve diálogo:

— Temi que você não viesse, disse o homem.

— Não resisti, respondeu a bela.

Um belo final para crônica de hoje, disse eu aos meus parcos botões. E corri ao computador para registrar essa manifestação de amor – tenha a forma que tiver – rara de se ver na tarde de uma cidade como Sampa.

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