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Os amigos *

Eu, o Poeta e o Escova somos remanescente da turma de mequetrefes e falidos que se reunia, dia sim e outro também, naquele Sujinho malfalado e malfalante da esquina da rua Bom Pastor com a rua Greenfeld, onde o busão Fábrica- Pinheiro bufafa e gemia para fazer a curva e seguir adiante.

O Sujinho desapareceu para que, no lugar, se erguesse a portentosa Estação Sacomã, do Metrô. Simultaneamente desapareciam, nos escombros da vida e dos amores, os melhores dias. Alguns chegados partiram ‘antes do combinado’. Outros tantos, braço dado com a desilusão, ganharam o mundo, perderam-se por aí, viraram avós – enfim, não deram mais a cara.

II.

Os patetas supracitados ainda insistem em se reunir, de quando em quando, em um boteco qualquer nas imediações, Só para fazer de conta que ainda somos, fazemos e acontecemos. Lembramos os amigos ausentes, os causos que tumultuaram aqueles dias (e divertiram também) e tergiversamos sobre as coisas e o mundo.

No mínimo, diz o Poeta, eu tenho assunto para um novo livro – uma clara alusão ao meu livro de 2010, Meus Caros Amigos – Crônicas Sobre Jornalistas, Boêmios e Paixões.

III.

É uma alfinetada, sei bem.

Cometi um pecado mortal ao compilar as crônicas do livro e não escolher nenhuma em que o Poeta aparece.

Por isso ainda hoje ouço a resenha do amigo:

“O livro é razoavelzinho, mas precisa de uma continuação para dar a ideia exata do que éramos e fomos.”

IV.

Tranquilizem-se amigos leitores, não passa pelos meus planos um Meus Caros Amigos (2). Ouço a proposta do Poeta e desconverso. Na fase em que estamos, magoar um amigo é o mais grave dos pecados.

V.

Todo o ‘mimimi’ do post de ontem se justifica.

Ainda na manhã deste sábado, voltamos a nos encontrar como nos velhos tempos.

Andamos pelas ruas do antigo Ponto Fábrica, olhamos o movimento das lojas (fraco) e nos instalamos no primeiro canto aprazível de bar para nossas rememorações.

VI.

Nos primeiros momentos da roda, tentei introduzir o tema que outrora nos fascinava: futebol. Um palmeirense, um corintiano, um sãopaulino na mesa – e nem assim o papo rolou, Depois do sapeca Iaiá que a Alemanha nos presenteou na Copa do Mundo, o assunto ficou chocho-chocho e não progrediu.

O Escova, o nosso Dom Juan das Quebradas do Sacomã, puxou pelas lembranças de casos ‘rumorosos’ que viveu no tempo em que, a cada esquina, encontrava ‘a verdadeira mulher da sua vida’. Já ouvimos essas histórias centenas de vezes, e não reagimos à narrativa do amigo.

O Poeta nos surpreendeu. Trouxe uma informação que sequer desconfiávamos.
Disse estar saudoso dos tempos em que morou em Arraial D’Ajuda, na rua paralela à igrejinha, um dos pontos turísticos do local.

VII.

Eu olhei para o Escova, que não perdoou:

– Que novidade é essa, compadre?

– Foi no início dos anos 80, antes de conhecê-lo. Fiquei um ano e meio lá.

– Tô até vendo o Poeta hiponga a escrever versos (que ninguém nunca leu) nas areias.

– Deixa de bobagem, Rodolfo. Eu pensava em abrir uma pousada – e lá ficar para o resto da vida.

– Porque desistiu da ideia, perguntei.

– O Plano Collor confiscou meu dinheiro – e não tive como tocar o negócio.

– Mas, isso foi em março de 1990 – ponderou o Escova.

– Então, foi o que eu disse…

Eu ia polemizar. Mas o Escova me fez um sinal pra deixar pra lá – e mudar de assunto.

VIII.

Rapidamente, e na sequência, disse que um velho amigo dera notícia por email.

O ex-vereador Almir Guimarães está engajado na campanha de Paulo Skaf para o governo de São Paulo e disparou convite a todos os amigos do Ipiranga e adjacências para uma reunião na sede da Distrital do Ipiranga da Associação Comercial de São Paulo.

Foi um dia desses de julho, eu estava viajando. Não pude ir.

Escova e o Poeta não receberam qualquer comunicação.

Mesmo assim, se posicionaram:

– O lobo perde o pelo…

– …Mas, não perde o vício.

(Escova começou e o Poeta concluiu a sentença.)

Skaf não será necessariamente nosso candidato, mas nem por isso deixamos de brindar a disposição de Almir para a vida pública. Tintim!

IX.

Nem bem colocamos os copos sobre o tampo da mesa, e lá estava o Poeta a anunciar uma proposta, a princípio, irrecusável.

– E se tentássemos reencontrar os amigos para um encontro em que lembraríamos os velhos tempos?

Pegos de surpresa, nem eu, nem o Escova ousamos dizer palavra.

Ele continuou:

– Sei que muitos dos nossos se foram. Mas, outros tantos estão por aí. O Almir, o Toró, o Durval, o Geraldinho, o Manoelino, o Cebola e outros mais. Seria bom revê-los, reunir o pessoal. Não acham?

X.

A sugestão ganhou momentos silenciosos de reflexão, mais ou menos nessa linha: juntar essa trempa de coroas seria uma proeza – e tanto. Há tempos perdemos contato com muitos.

Mas, pensando melhor, como seria esse reencontro – perguntei.

– No bar ou em alguma casa de repouso? – provocou o Escova sempre gozador. –

Com ou sem ambulância de plantão.

Outra questão: onde encontrá-los?

– Talvez, no facebook, insistiu Escova. – Basta procurar pelos netos dos ‘figuras.’

XI.

Rimos da nossa ingenuidade.

Os tempos são outros.

Não há como recuperar a magia daqueles dias que se transformavam em noites e tornavam a amanhecer, sem que nos déssemos conta que a vida se nos escorria pelos vãos dos dedos.

O saudoso Nasci gostava de usar essa imagem: o tempo a se esvair, implacável, contínuo.

Brindamos também em memória deste amigo.

Depois lembramos o verso de antiga canção (que vez ou outra eu cito por aqui) e creio cabe repeti-lo:

O tempo não para no porto
Não apita na curva
Não espera ninguém.

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