— Uma das características mais curiosas do mundo atual é que toda pessoa com acesso a um computador se julga no direito – e, às vezes, no dever – de ser produtora de conteúdo. Pela contagem mais recente, havia cinco bilhões de páginas na Internet, acessadas por um quinto da população mundial. Blogs, fotologs, grupos de discussão e sites pessoais compõem a maioria dessas páginas. É conteúdo produzido por gente que nunca freqüentou uma redação e nada tem a ver com jornalismo. Na Internet, há de tudo – desde de o blog da minha filha de 14 anos aos artigos da revista Nature com as últimas descobertas no mundo da ciência. Num planeta em que todos produzem conteúdo, qual o papel que sobra para os jornalistas e editores?
A declaração acima é do jornalista Laurentino Gomes, coordenador de um dos Núcleos de Revista da Editora Abril e autor do best-seller “1808”, que narra a chegada da Família Real ao Brasil Colônia, justamente no ano que dá título ao livro. O jornalista participou, em setembro passado, do painel Os Desafios do Comunicador no Terceiro Milênio, promovido pelas faculdades de Jornalismo, Relações Pùblicas e Propaganda/Publicidade da Universidade Metodista de São Paulo. O encontro reverenciou os 35 anos de existência dos três cursos da tradicional instituição que tem campus em São Bernardo, na Grande São Paulo.
Coube a Laurentino Gomes falar sobre jornalismo para uma platéia de mais 600 estudantes das três áreas. Seu painel teve como título: "O Papel do Jornalista Num Mundo Afogado em Informação". Veja outros trechos da palestra.
II.
— Quando não havia Internet, uma das funções do jornalista era servir de filtro, ou mensageiro, entre as fontes de informações e os leitores, ouvintes ou internautas. Cabia aos jornalistas pautar as notícias, coletar as informações, filtrá-las e decidir quando e como chegariam aos leitores. Hoje, a informação se tornou quase uma commoditty. Há bilhões de páginas de informação gratuita e facilmente acessível à disposição de quem tenha tempo, critério e disposição para consumi-la. Nesse novo cenário, o que sobra para os jornalistas? Que novos conhecimentos e que nível de preparação é exigido para o exercício da profissão nesse mundo em rápida transformação?
III.
— A boa novidade é que, em nenhum outro momento da história da humanidade, a função dos jornalistas foi tão essencial. As pessoas estão afogadas em informação, mas poucas sabem lidar com ela. Ao contrário, o excesso de informação criou um nível de ansiedade sem precedente nas pessoas. Existe até uma nova doença catalogada pela Organização Mundial da Saúde e associada à angústia resultante da incapacidade que as pessoas sentem de absorver e aproveitar de forma positiva tanta informação disponível.
Portanto, resta aos jornalistas nesse novo mundo três funções básicas:
a – Ser editor.
Editar é ajudar as pessoas a se orientar nesse oceano de informação. É, portanto, separar o joio do trigo. Cabe aos jornalistas separar o relevante do que é inútil ou não confiável.
b – Ser curador da informação.
Num mundo digital em que todos podem produzir conteúdo é tarefa dos jornalistas apontar o que é confiável e o que não é. Esse papel de curadoria, ligada ao senso de ética e responsabilidade social da profissão do jornalista, nunca foi tão importante. As pessoas precisam aprender a confiar no que lêem, vêem, ouvem ou consomem. E os jornalistas podem ajudá-las nessa tarefa.
c – Antecipar tendência e necessidades.
O mundo está mudando. E os leitores, internautas, ouvintes, telespectadores mudam junto e na mesma velocidade. Antes, o jornalismo era uma via de mão única. O repórter ou editor decidia a pauta e cabia aos leitores aceitar passivamente o resultado dessa escolha. Hoje, o mundo da informação é composto por redes interativas, formadas por comunidades interativas, ligadas por interesses comuns, que querem participar da produção e da discussão a respeito do conteúdo. Cabe ao jornalista entender esse mundo e participar dele de forma ativa e relevante.
Nesse cenário, não basta ao jornalista só saber escrever, falar, fazer um site de Internet, produzir um vídeo ou programa de rádio. É preciso ir além. Jornalista de hoje precisa, entre outras coisas, ter alguma noção de conceitos de marketing.
* Amanhã continua.