– Bom dia, lindinhas e… lindona!
– Verduras, verduras, verduras, com o melhor preço da feira. Vamos levando, vamos levando…
Segue o vaivém das pessoas indiferentes aos apelos do senhor de avental azul.
Um ou outro confere a mercadoria.
A dita lindona, nem aí.
Não lhes garanto se é tão lindona assim, mas lá vai ela, altiva, em meio ao movimento, ao vozerio e às enfileiradas bancas.
Deve estar só de passagem, nem sacola traz nos braços.
(…)
Mais à frente, tropeço com o versejador.
Os maços de rosas, cravos, palmas, margaridas e flores do campo espalham-se ao gosto do freguês sobre as camadas de uma improvisada estante, amparada por caixotes e latas de tintas vazias, creio.
Enfeitam e colorem a manhã de sol tímido e escorregadio.
Enquanto isso, o homem recita em tom pausado:
Se Deus enxergasse pobre
Não me deixaria assim
Dava no coração dela
Um lugarzinho pra mim
As pessoas olham e sorriem.
Poesia numa hora dessas?
Poesia sempre!
(…)
Passa o rapaz cabeludo. Expressão de poucos amigos. Veste uma camisa do Corinthians e para no trailer que vende pastéis.
O japinha do outro lado do balcão não resiste:
– Carne ou queijo. Gostou do Valdívia ontem?
Os dois sorriem – o debochador e o debochado.
E se invertem os papéis:
– Manda um de carne, palestrino de araque.
– Olha lá como fala, curica! Sou tricolor de coração, líder do Brasileirão.
– Manda o de carne, e também um caldo de cana para afogar a mágoa da desclassificação da Liberta.
– É pra já…
(…)
Noviço na área, interesso-me ao ver uma penca de queijos mineiros, daqueles bem taludos, exposta na banca bem ao lado do trailer.
– Tem cartão? – pergunto inocente.
– Tenho, sim. É do Bradesco, serve? – retruca o brincalhão.
Pego de surpresa, me faço de rogado, e não passo recibo:
– Então, me dá um desses aí…
– Não posso dar, não, jovem, que a barraca não é minha. Sou só o operador.
Operador?
Jovem, eu?
Tá bom…
(…)
Compro a peça de queijo, pago em dinheiro mesmo pra sair logo de cena.
Ainda ouço:
– É da Serra da Canastra (o queijo), o moço vai gostar e virar freguês.
Gostei do preço (nove reais, o quilo) e sequer me importei com as piadinhas do vendeiro.
– Desculpe as brincadeiras, pai.
(…)
Jovem, moço, pai, eu?
Quanto humor! Vamos em frente…
Acho que me convenceu.
Se o queijo for bom, volto pra semana e levo outro. Não é caro – e vem da Serra da Canastra (ou seja, tem procedência).
Se não for, volto do mesmo jeito. Para ouvi-lo me chamar de jovem/moço – e desfrutar desta confraternização espontânea que se vê nas feiras livres.
(…)
Essa trupe chega às duas da manhã, descarrega o caminhão, monta as barracas, expõe os produtos, indiferente ao sol e à chuva – e mesmo assim, até as 13 ou 14 horas do dia, labuta firme e, independente das vendas, dos ganhos e das perdas, preserva o bom humor e a gentil convivência.
O Brasil da intolerância, do divisionismo, do ódio, com a rapaziada, não tem vez.
Parece que precisamos aprender algo com eles, não?
O que você acha?