Tem me acontecido, com alguma frequência, preferir uma releitura aos títulos novos ou a livros que ainda não li.
Deve ser coisa da idade, me dizem – e até desconfio que sim.
Velhos enredos revistos nos trazem de algum modo o encanto dos tempos idos.
Certas histórias (pessoais ou públicas) só existem se lembrarmos delas, confere?
Pois então…
No embalo do centenário das comemorações de Jorge Amado e outro tanto pelas chamadas da nova versão para a TV da novela Gabriela (que estreia hoje), fiquei instado a mergulhar no universo de baianidades explícitas do livro "Gabriela Cravo e Canela".
Li a obra como se esta me fosse inédita.
O curioso – e extraordinário – das tramas de Amado é que sempre nos envolvem a ponto de nos imaginar no núcleo da ação. Ora como se ouvíssemos a história da boca do narrador, ao vivo e em cores. Ora nos identificamos com este ou aquele personagem.
Lembro que, por ocasião da primeira leitura, o personagem de Mundinho Falcão era o meu preferido. Nele, aboletavam-se sonhos e ideais dos jovens que éramos ali pelos meados dos anos 60 quando o País enfrentava uma sórdida ditadura. Os desmandos dos coronéis de Ilhéus representavam as asperezas daqueles dias obscuros.
Mundinho era o novo, o que estava por vir.
Tornei a ler o livro ali pelos anos 80, não sei precisar.
A redemocratização do País já era uma realidade.
A questão política, então, ficou em plano secundário.
Não sei se inspirado no desempenho memorável de Fúlvio Stefanini na novela que teve Sônia Braga como protagonista, o personagem Tonico Bastos me conquistou de primeira. Divertia-me a valer o cotidiano do Bataclan e as idiossincrasias do Dom Juan daquelas quebradas. No fundo, Tonico era um sentimental, inconsequente que não nascera para mandar prender e soltar como fazia seu pai, o poderoso Ramiro Bastos.
A bem da verdade, Tonico representa a decrepitude do coronelismo.
Agora, ao final da recente leitura, não é que dei de me ensimesmar com a figura do rude comerciante Nacib, o brasileiro das Arábias, como o descreveu o autor no preâmbulo do livro (lançado em 1958). É em seu bar, o Vesúvio, e sob as suas vistas que a vida acontece e a sociedade local, envolvida pelo época áurea do cacau, se reinterpreta e reinventa.
“Turco é a mãe”, retruca o imigrante que nasceu na Síria. Mas, é tão genuinamente baiano quanto qualquer outro personagem do romance.
Seu amor pela mulata Gabriela é tocante, é o nó que entrelaça toda a trama.
O ator Humberto Martins vai dar vida a Nacib na nova versão de Gabriela.
Baita responsabilidade.
Na novela original, o papel era do saudoso Armando Bógus. No cinema, ninguém menos que Marcello Mastroianni topou o desafio – e não fez feio.
Imaginem a mistureba: um turco que vive na Bahia com sotaque italiano!
Quanto à nova Gabriela, Juliana Paes dispensa qualquer comentário, embora Sônia Braga seja indiscutível como personagem das histórias do grande e agora centenário Jorge Amado.