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Os medíocres – Cena 1

Não sabia explicar a tristeza daquela manhã igual a tantas outras manhãs da sua pacata existência. Acordara, fizera o ritual de praxe – inclusive exagerara um bocadinho na loção após barba –, saíra para o trabalho – e de repente, não mais que de repente, baixou do nada aquela sensação de torpor, de que nada valia à pena.

A vida deixou de fazer sentido.

Se é que algum dia fez? – indagou a si próprio, sem sequer cogitar a resposta.

Sempre se entendera como um cara simples, e feliz. De hábitos comuns, e feliz. Gostos triviais, e feliz. Paixões comedidas, e feliz.

Por que essa agora?

O que a vida lhe trouxe aceitou na boa, naturalmente. Na alegria e na tristeza.

Nunca ligou para isso.

Diria mesmo se orgulhar desse cotidiano me-dí-o-cre.

Aliás, foi assim que o Carlão, parceiro de bar e de copo, referiu-se a todos naquela roda na noite anterior – inclusive, a ele próprio Carlão.

— Sos medíocres, na acepção do termo. Medíocres.

Vaias, apupos, gargalhadas.

Ameaçaram esconder o copo do falador se ele insistisse com as crises existenciais.

Aturar bebum é o que há.

Agora, bebum com arroubos professorais, nem pensar.

Ademais tinham coisas mais importantes a debater como futebol, mulher e a topeirice do chefe do Departamento em que trabalhavam.

Será que foi a declaração impensada do tímido Carlão que detonou o súbito desassossego matinal?

Será?

* amanhã continua…

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