Mandei consertar os óculos do Velho ontem.
Foi o presente que lhe dei no último Dia dos Pais que passamos juntos.
Quero guardá-los em perfeitas condições.
O Velho tinha lá suas vaidades.
Por certo, não iria gostar de ver o ‘bichinho’ com uma das hastes bamba, a lente direita solta, perigando de cair a qualquer momento.
É certo que, durante uns tempos, ele andou com os óculos antigos remendados, com fita durex.
A grana da aposentadoria era pouca.
Era a solução que tinha e podia à época.
Mesmo assim, e para não dar bandeira, o Velho só usava os óculos em público quando estritamente necessário. A leitura de um cartaz aqui, a conferência do jogo do bicho ali, essas coisas.
Fora isso, o lugar da combalida armação era o bolso da camisa, com a gambiarra devidamente escondida.
É tão verdade isso que nem eu – que o via diariamente – me dera conta da precariedade da situação.
Foi preciso que a mãe me alertasse.
Aproveitou a proximidade do Dia dos Pais para dar o toque:
— Você já reparou nos óculos do seu pai?
Na manhã de um sábado ensolarado, levei-o a um shopping perto de casa.
Chegamos cedo, antes que as lojas abrissem, para evitar a muvuca comum às datas como esta. Entramos na primeira ótica que abriu, e estávamos ali a escolher o modelo mais adequado, quando um dos balconistas o reconheceu e fez festa ao vê-lo:
— Ei, seo Aldo, o senhor por aqui? Quanta honra, em que posso serví-lo?
Era um jovem senhor, que ali fazia serviços de ourivesaria e conhecia o pai da esquina onde o Velho fazia ponto todas as manhãs, em uma roda de aposentados.
— Seu pai é uma figura, e tanto. Está sempre sorridente, é duro nas críticas que faz ao governo (FHC era o presidente, e ousou falar mal dos aposentados) e dá bons palpites para o jogo do bicho.
Concordei de pronto com o rapaz.
Ele conhecia o pai tão bem quanto eu.
— Um dia a gente acerta aquela milhar, disse ao moço ao saírmos da loja minutos depois.
No rosto do pai, suas marcas indefectíveis: o sorriso de sempre e o olhar de quem sempre viu a vida pelas lentes da amizade e do infinito sonhar.
Pena que o Velho usou os novos óculos por poucas semanas.
Morreu na manhã do primeiro dia de setembro.