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Os peripatéticos e a Coca-Cola

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Foto: Jô Rabelo/Arquivo

Ouço ao acaso trecho da conversa entre dois senhores que passam por mim em ritmo acelerado como manda o ritual das caminhadas com orientação médica.

Têm, imagino, mais ou menos a minha idade. São mais ágeis e firmes no caminho e nas palavras.

Um deles diz convicto:

“O Brasil que conhecíamos não existe mais”.

(Concordo.)

“As mudanças são inevitáveis” – responde o outro.

(Também concordo.)

Viver implica em mudar – penso comigo – e é só o que consigo fazer naquele preciso instante.

Não tenho pique para acompanhá-los nos passos ligeiros.

E lá se vão os peripatéticos.

Da minha parte, sobram-me a lentidão ao caminhar e as inquietações sobre esse “novo” Brasil que, creiam, cada vez mais, temo desconhecer.

Talvez eu o encontre no noticiário do fim de semana?

A repercussão do encontro do G-20 no Rio de Janeiro, outro pacto pelo fim da fome no mundo, o incêndio na casa do fanático que se matou em Brasília, o palavrão (desnecessário) da primeira-dama, a resposta/ameaça do dono do X, o descompasso do argentino Milei, ainda os ruídos da vitória de Trump e outros tantos personagens (que nem sequer ouvi falar) a sinalizar nas manchetes dos portais que desconheço o país em que vivo e também o mundo, o planeta…

No balcão da padaria, outra prova da minha desconectude.

O moço pede uma Coca-Cola.

E o atendente lhe pergunta:

“Em lata ou ks?”.

Ks?

Pois é… É assim que agora se pede a Coca-Cola naquela garrafa de vidro, de forma tradicionalíssima.

Desisto.

Consolo-me a rememorar o verso singelo do mais belo dos sambas, Coisas do Mundo, Minha Nega, de autoria grande Paulinho da Viola:

“Hoje eu vim, minha nega
Sem saber nada da vida
Querendo aprender contigo a forma de se viver
As coisas estão no mundo só que eu preciso aprender”.

Ocorre-me outra lembrança a caminho de casa.

Óbvio, lembrança dos tempos da velha redação de piso assoalhado.

Certo fim de tarde, chegou-nos a declaração de notável parlamentar que nos deixou surpreso.

Não pelo conteúdo da informação.

Mas, pelo uso de um verbo pouco comum em nosso dia a dia.

A frase era mais ou menos essa que escrevo a seguir:

“Se a candidatura de certo ministro não demarrar até junho etc etc…”.

Como nunca havia ouvido tal palavra, fui, de imediato, ao dicionário para desvendar o mistério.

Eis que, num dos compêndios, surge o significado de demarrar: desatar, cortar ou soltar amarras (referindo-se a embarcações), ir adiante… De origem francesa (demarrè), é comumente substituído por deslanchar, decolar.

Na ocasião, escrevi a coluna diária e aproveitei a deixa do deputado como inspiração para o título:

“Quando o Brasil vai demarrar?”.

Era mesmo um abusado!

Amigos,

a crônica, eu a incluí na coletânea “Pela Janela do Mundo – Ou o mundo pela janela”, livro lançado em 2019.

Mas, a resposta eu não a obtive naqueles dias quando ainda era capaz de sonhar. E não a tenho hoje quando, desconectado de tudo ou quase tudo, vejo o Brasil e o mundo rodar na contramão da sensatez e da racionalidade.

Ainda nenhum comentário.

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