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Os tutores da República

01. Fica difícil para nós, o zé-povinho, entender as notícias que chegam de Brasília. Estas, aliás, sempre nos surpreendem — e negativamente. A que escancarou a semana e todas as regras do bom senso foi o anúncio do novo teto salarial do funcionalismo federal, fixado em 12.700 reais. Na verdade, uma afronta a tudo o que o próprio Governo vem tentando implantar no País desde a vitória eleitoral em outubro e o posterior anúncio das medidas que promovem o tal ajuste fiscal, aquele que nos submete às vontades do FMI. As medidas tidas e havidas como indispensáveis, de quebra, impõem uma série de sacrifícios para os diversos segmentos sociais, do operariado ao empresário ultranacionalista. E tome corte no orçamento de educação e saúde, redução de investimentos, desemprego, recessão e o descalabro das altas taxas de juros.

02. Juristas de renome apóiam a iniciativa e dizem que faz valer "o justo", o que reza a Constituição, os famigerados direitos adquiridos de uma casta de privilegiados e o escambau. Convém lembrar — e nós, o zé-povinho, andamos sempre tão desinformados — que a lei vai provocar aumentos salariais em cascata em todos os níveis do funcionalismo (municipal, estadual e federal) exatamente porque abrange os três poderes federativos Executivo, Legislativo e Judiciário. Assim só entre os parlamentares (de vereador a senador) o aumento real será de expressivos 59 por cento. Claro que o efeito cascata do aumento também inclui os assessores e funcionários de gabinetes, os comissionados e outros benefícios sobre os quais não temos qualquer controle.

03. Vamos ser justos. A derrama se espalha igualmente para o Executivo e o Judiciário na mesma intensidade, o que pode onerar os cofres públicos em torno de 600 milhões de reais por ano (o cálculo é aproximado, mas não aleatório). Isso num momento em que, repito, se pede sacrifício para a sociedade e se acena com novos impostos, aumento dos combustíveis e da famigerada CPMF, entre outras cravadas de arrebentar o bolso de qualquer cidadão. Na verdade, o fernandismo dá a impressão de que divide o País em duas categorias: o zé-povinho que paga e os amigos do rei que só recebem. E sempre mais e mais e mais…

04. Para fixar o novo teto de 12.700 reais, o presidente Fernando Henrique Cardoso participou de uma reunião na terça-feira com os presidentes Michel Temer (Câmara dos Deputados), Antônio Carlos Magalhães (Senado) e Celso de Mello (Supremo Tribunal Federal). O pós-encontro, aliás, deu ensejo a uma tragicomédia daquelas com as quais convivemos tristemente nos últimos anos. Com a traulitada da opinião pública contrária às medidas, os três tutores da República deram um jeito de sair à francesa. O Palácio do Planalto divulgou que FHC foi voto vencido na reunião. ACM (re)anunciou que o valor não deve passar quando for votado no Congresso em fevereiro. Temer preferiu o trivial, culpou a Imprensa (é nova!). Já o presidente do STF não precisou se justificar. Ele não é candidato a nada pelo voto popular…

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