IV.
O pai tentou me ajudar na escolha.
Foi ao Rio para assistir a um Grande Prêmio Brasil do turfe e, de lá, me trouxe um chaveirinho com o distintivo do Flu.
– Logo você vai ter a chave de casa, então…
O Velho Aldo era brincalhão, eu tinha nove, dez anos.
A mãe ficava horrorizada, com a liberdade que ele dava ao “caçula” da família.
E o pai me defendia, com o jargão da época:
– Ele é homem, chacoalha a calça e está tudo resolvido.
Mesmo assim, eu ainda não estava convencido em torcer para o Flu. O Roberto, um amigo são-paulino da rua Muniz de Souza, já era tricolor também no Rio.
Não gostava dessa ideia.
V.
Certa vez, um amigo do pai, o Judeu, levou dois ou três garotos ao Pacaembu assistir ao jogo Corinthians e América, pelo Rio São Paulo. O homem levou a gente para a numerada e, de lá, presenciamos maravilhados um festival de gols. Não lembro quanto foi, mas foram muitos. Acho que 6 a 5 ou 5 a 4, sei lá.
O Corinthians venceu.
O notável foi que, à certa altura da partida, eu me vi surpreendentemente torcendo adoidado pelos cariocas. Pelo goleiro Ari, e pelo ponta esquerda Nilo (que mais tarde jogou no Palmeiras).
Saí do estádio triste, mas convencido a ser América no Rio.
VI.
Cheguei em casa fui direto conferir no meu álbum de figurinhas – e a simpatia se consolidou.
Era um time verdadeiramente simpático. Além do goleiro Ari, do Nilo, havia Djalma Dias (o melhor zagueiro que vi jogar), Amaro, Calazans, um lateral direito chamado Jorge e Quarentinha, centro-avante goleador. Um timaço campeão carioca de 60.
Esse título, confesso, ajudou a me conquistar.
VII.
Um capítulo à parte nessa historinha de infância: o goleiro Pompéia que revezava com Ari a titularidade do time americano. Só o conhecia por figurinha ou por imagens do Canal 100. Mas, a narrativa de seus feitos povoava minha imaginação de garoto apaixonado por futebol.
Acontece que um dos ídolos da molecada era o Manolo, espanhol atarracado que devia ter aí seus 20 anos e era goleiro de um dos times de maior prestígio no Cambuci, o República Futebol Clube, voltou de uma viagem ao Rio falando barbaridades do goleiro do América.
(Imagino que tenha visto algum jogo por lá.)
Que ele era melhor que o Gilmar, que o Castilho, que o Ari; o melhor do Brasil. Que saltava feito um gato, fazia ‘pontes’ inimagináveis, e até numa simples atrasada de bola do zagueiro (naquele tempo, podia) fazia uma das suas peripécias. Deixava a bola passar no vão das pernas para, em seguida, saltar para trás e encaixar a bola.
Era demais!
VIII.
Um parenteses:
Naquele tempo, vou lhes explicar: nós adorávamos jogar futebol e a suprema honra que podíamos almejar era jogar no principal de uma das poderosas equipes varzeanas do Cambuci: o Santos, o República, o Triângulo, o Huracan, o Mocidade do Glicério, o São Luiz e outros tantos.
Jogar em uma equipe profissional era um sonho longínquo.
Ser o bambam da várzea já estava de bom tamanho.
Por isso, o Manolo tinha toda a credibilidade do mundo.
Eu fiquei impressionado – e passei a me imaginar o Pompéia nas ‘peladas’ do campinho da rua Piaí e do ‘barrancão’ do Jardim da Aclimação.
IX.
Engraçado lembrar tudo isso agora…
O tempo passou, virei um zagueirão esforçado, um torcedor sempre apaixonado pelo Palmeiras, esqueci essas coisas da meninice. Mas, sempre que ouço falar do Huracan (que disputou a Libertadores este ano) e do Ameriquinha, me é inevitável lembrar a canção do grande Ataúlfo Alves:
“Eu era feliz, e não sabia”.