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Para não dizer que não falei do Pan

Como é do meu feitio, reconheço estar um tanto atrasado. Creio, porém, que ainda há tempo para dar uma palinha aqui sobre os Jogos Panamericanos…

… de 1963, em São Paulo.

Qual a surpresa?

Não acredito que passou pela cabeça de alguns de vocês a idéia de que eu pudesse vestir uma camisa listada, de verde e amarelo, e sair por aí a gritar:

“Ai… ai, ai, ai, ai…”.

Me poupem desse mico.

Pior seria, sob a regência do Galvão Bueno, me esganiçar naquele refrãozinho chato que só:

“Ah! Sou brasileiroooo…
Com muito orgulhooo…
Com muito amooor…”

Vocês me conhecem. Sabem que eu não seria capaz. Por favor. Tenho um nome a zelar.

II.

Voltemos ao Pan que interessa a este espaço.

1963. Lá estava eu nas numeradas do Pacaembu, o charmoso estádio Dr. Paulo Machado de Carvalho, para assistir à abertura dos Jogos que ninguém entendia bem o que seriam. Entre os nossos, sabíamos que haveria partidas de futebol e de basquete que eram os esportes em voga – e nos interessavam. Verdade verdadeira, só futebol me interessava. Mas, gostava de ver as partidas de "bola ao cesto", pois havia alguns jogadores extraordinários: Vlamir Marques, Amauri Passos, Rosa Branca, Mosquito – os dois últimos, além do que, jogavam no Palmeiras.

Nem lembro de quem foi a idéia. Do Darcy, do Betão ou sei lá de quem. Sei que topamos de imediato ver a festança que rolou numa tarde de sábado. Sem qualquer pirotecnia ou exibição de escola de samba, jacarés gigantes, samambaias e danielas mercurys, a cantar “Aquarela do Brasil”, aquela dos versos que falam Brasil brasileiro e do coqueiro que dá coco.

Melhor assim. Não sei qual seria a nossa reação diante dessas esquisitices.

Foi apenas e tão somente um desfile de delegações esportivas. Aliás, não lembro que tal e magnânimo acontecimento tenha mudado sequer um milímetro da vida da pacata cidade. Repito: o Pan era apenas uma competição esportiva.

Ainda não havia a parceria (cumplicidade) dos esportes com as TVs, o marketing e os altos lucros que daí advêem.

Bom negócio mesmo talvez apenas para os simpáticos pipoqueiros que trabalhavam na Praça Charles Miller — e nos deixavam pegar uns piruás de graça…

III.

Esqueci de dizer. Era garoto. Tinha onze, doze anos. Fomos em bando para lá. De ônibus elétrico. O mais velho deveria ter quatorze anos. Uma farra. Encontramo-nos no Parque da Aclimação, onde invadimos o “Cardoso de Almeida” que nos levaria até às imediações do estádio.

Levaria…

Um dos nossos começou a cantoria e, que jeito!, o acompanhamos em um coro solidário.

“Aclimação, bairro da perdição.
De dia dá tarado.
De noite dá ladrão.
De dia falta água .
De noite condução.
Se entro no ônibus
está imundo…
O cobrador é um vaga…
Aclimação, bairro da perdição”

Educados que éramos nunca concluíamos o verso. O motorista, porém, não tinha lá um um grande senso de humor. Ou sequer estava sensibilizado que iríamos torcer pelo Brazil-zil-zil. Preferiu ser solidário ao colega de trabalho, um senhor austero de bigodes e gravata fininhos, fininhos e as ‘notas’ dobradas entre os dedos.

Parou o coletivo e…

IV.

Ednaldo tinha a língua presa. Não conseguia falar “criança”. Daí, veio o apelido de Tiança que, aliás, de inocente ‘tiança’ não tinha nada. Pois então. Acompanhamos o amigo Tiança no estribilho e também no gesto igualmente solidário de aceitar ao gentil convite para que todos abandonássemos o ônibus. Como ainda não havíamos pagado as passagens, descemos rapidinho pela porta traseira antes que alguém cismasse de chamar o Juizado de Menores.

Creio que o JM foi o predecessor da Febem porque tremíamos de medo só de ouvir a ameaça:

“Vou chamar o Juizado”.

Os mais jovens não conseguirão sequer imaginar. No entanto, vivíamos uma época em que os mais velhos sempre tinham razão e respeitavam-se suas decisões, fossem quais fossem.

V.

Enfim, voltemos à nossa odisséia.

Estávamos na rua Conselheiro Furtado, imediações da Praça João Mendes. Ou seja, longe pra dedéu. Mesmo assim, resolvemos não arriscar outra condução. Decidimos ir a pé mesmo. Tínhamos todo o tempo do mundo. Saímos cedo de casa e nossa meta era rastrear o Pacaembu atrás de carteiras de cigarros estrangeiros que enriquecessem nossas valiosas coleções.

Era moda naquele tempo. Eu mesmo cheguei a juntar duzentas e tantas marcas diferentes. Se os gringos fumavam o tanto que fumavam nos filmes que assistíamos nas matinés do cine Riviera, imaginem a fartura que encontraríamos.

Ledo engano. Voltamos de mãos vazias.

VI.

No Pacaembu, com entrada franqueada ao público, não enfrentamos maiores atropelos. Diria mesmo que reuniria mais público um jogo do Campeonato Paulista entre Palmeiras e Juventus numa tarde chuvosa de quarta-feira.

Corri logo para as numeradas, onde nunca havia posto os meus sacrossantos pés, lavados e enxaguados numa cerimônia de ‘lavapés’ da igreja de Nossa Senhora da Glória. Por dois bons motivos. O primeiro – e óbvio – era a grana. Ou a falta de. O segundo porque meu pai só acompanhava os jogos próximo ao alambrado, com o radinho Speak colado ao ouvido.

Primeiro ele ajeitava um lugar para mim.

— Abre um lugar para o garoto, senão ele não vê os gols do Palestra.

Depois fazia às vezes de repórter de campo para quem estivesse do lado, dividindo as notícias que ouvia no potente.

— Vai sair o Hélio Burini e entrar um menino novo que veio do Bangu. Um tal de Ademir. Filho daquele beque carioca, o Domingos da Guia…

Grande Aldo, que naquele sábado preferiu ir ao Jockey Club “garantir o leite dos cavalos”, como dizia, dona Yolanda, minha mãe. Mas, liberou um trocado para a condução a fim de que eu pudesse me divertir com a turma da Muniz de Souza.

VII.

E cá estou a desandar nossa conversa sobre o Pan. Voltemos ao Pacaembu e sejamos sucintos.

Quanto à cerimônia, diria que, aos meus olhos de moleque, pareceu um espetáculo bonito. Alegre. Parecido com os concursos de bandas e fanfarras que a TV Record promovia anualmente e me causavam alergia só de ouvir o som estridentes das cornetas. As delegações entraram uma a uma e se posicionaram no centro do gramado. À frente, as respectivas bandeiras. Os atletas vestiam-se formalmente. Os homens de terno e gravata. As mulheres, vestidos comportados em tons discretos. Hinos, hasteamento de bandeiras, discursos, essas coisas.

Vivíamos em um Brasil diferente, em um mundo que ainda recendia ao pós-guerra. Distante, muito distante da tal sociedade midiática que hoje nos impõe valores e verdade absolutas. Talvez por isso todos ali se sentiam apenas e tão somente irmanados numa grande e singela confraternização. Sequer havia essa nóia de atualização do quadro de medalhas.

Ah! Ninguém vaiou ninguém. Também não apareceu nenhum presidente por lá – é bom que se diga. Ao menos que eu me lembre.

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