Um hábito meu.
Às sextas-feiras, ali pela meio da tarde, dou uma escapada da Coordenação para pegar um dinheiro no Caixa Eletrônico para me salvar no fim de semana. Aproveito para tomar um café, num das filiais da Casa do Pão de Queijo.
Jogo rápido, estou de volta ao trabalho.
Fiz isso hoje. Mas, sei lá porque razão, dei de cantarolar baixinho uma música qualquer. Que, aliás, nem lembro.
A moça do balcão – eu diria inconscientemente – passou a fazer coro comigo.
(Por sorte, o local estava vazio…)
Só que ela se pôs a cantar um samba de Candeia que fez um baita sucesso na voz de Clara Nunes:
O mar serenou
Quando ela pisou
Na areia…
Fiquei sem graça. E vi que nem reparara em mim.
Estava à vontade com seus pensamentos e o samba.
Quem samba
Na beira do mar
É sereia…
— Grande, Clara Nunes, eu disse assim que ela se aproximou com o café.
Ela sorriu, algo desconsertada, porque percebeu que eu a ouvi.
Aí foi a minha vez de ‘viajar’ em voz alta.
— Com essa música Clara Nunes vendeu centenas de milhares de discos que, àquela época, chamavam-se elepês e quebrou um tabu na música popular brasileira.
— Como assim?
Antes de responder a moça, vou me explicar aos caros leitores um pequeno ajuste que fiz na história. Na verdade, o disco Claridade que contém ‘O Mar Serenou” e outros sucessos é de 1975 e foi o maior sucesso da morena que vi, pela primeira vez, ao ganhar um concurso de calouro chamado A Voz de Ouro ABC em 1960. Mas, o tabu mesmo, essa mineira de Cedro quebrou dois anos antes, com a canção “Conto de Areia” (Romido/Toninho), que vendeu mais de 300 mil cópias. Nunca uma cantora – mesmo a de maiores sucesso e prestígio, como Elis, Ângela Maria, Elizeth, entre outras – havia alcançado ou chegado próximo de tamanha proeza.
Voltemos à moça que me olha a cobrar o resto da história.
— Por causa dela, as gravadoras passaram a investir em novas sambistas. A RCA Victor pegou uma jovem cantora de MPB, que havia feito um relativo sucesso com a música “Toada”, e transformou em sambista. A Philips foi buscar na noite paulistana uma maranhense de voz rouca e anasalada que tocava piston.
A expressão da minha interlocutora é de puro espanto.
Eu continuo:
— A primeira atendia pelo nome de Beth Carvalho. A segunda, era a Alcione. A gravadora de Clara era a Odeon.
— Nossa! Eu não sabia…
— Pois é. Em março de 1985, Clara morreu após se submeter a uma operação de varizes, teoricamente simples. Não voltou da anestesia. Perdemos uma intérprete maravilhosa. A quem, as cantoras do Brasil devem muito…
Me preparo para falar do ‘boom’ de cantoras de MPB, de todos os gêneros musicais, que veio depois de Clara, mas lembro que o café já deve estar frio. Além do que, a moça me parece mais interessada em enxugar as lágrimas que lhe correm pelo rosto…