Eu conhecia o Juliano de outros carnavais.
Sabia o apelido “Carcará’ – e a fama, de pavio curto.
Não conhecia o figura que se aproximara da nossa roda e que falava sem parar, cheio de razão.
Como se fosse o Gilmar Mendes do pedaço.
Temi pelo que poderia acontecer nos próximos instantes.
Nunca tive vocação para estar no epicentro das tormentas.
Eu, hein!
II.
Pensei em dar o fora dali.
Mas, só pensei…
Logo o Juliano olhou pra mim e, no melhor estilo Carcará, cobrou uma atitude, do tipo: “E aí? Você ou eu? Quem vai dar um cola-brinco nesse lóki?”
Para ser sincero, também não tinha ido com a fuça do sujeito, mas, bem a meu jeito, fiz cara de paisagem porque mesa de bar é um espaço público e democrático.
Também porque imaginei que, se me fizesse de indiferente, talvez inspirasse o Carcará, que é meu camarada, ao sossego. O homem quando perde as estribeiras é um sai-de-baixo. Um trem fora dos trilhos…
III.
Só que o outro, o figura, era sem noção. Não tinha controle, não parava de falar. Um papo chimfrim, sem pé, nem cabeça, que não interessava a ninguém por ali.
“Eu fiz isso, fiz aquilo. Viajei pra lá, pra acolá. Esse país tá que é uma draga só. Culpa do povão que não sabe votar. Só pensa em futebol, festa, carnaval”.
E dá-lhe lorota em cima de lorota.
IV.
Eu já estava entrando em alfa quando senti a rosnada do Juliano/Carcará na minha direção.
Numa tradução bem singela, o rosnar resumia-se ao seguinte:
“Ou você faz o cara fechar a boca ou eu mato imbecil de pancada?”
Simples assim.
V.
Dei uma bufada no melhor estilo Felipão e lembrei o bordão do grande Zé Trindade:
“Mas o que é a natureza!”
A gente sai para relaxar no fim de tarde, tomar umas e outras, rever alguns amigos e cousa e lousa e, de repente, não mais que de repente, está na linha de tiro.
Ô vida…
VI.
O Oswaldinho pediu licença e saiu da mesa. O Gera inventou de ir ao banheiro, e vi que se mandou. O Cebola saiu à francesa. Cada um disfarçando, mas com a comanda na mão.
O quorum ia se esvaziando, o domingão se esvaindo e o Fulano ainda e sempre nos quasquasquás.
VII.
Olhei o Juliano e o corpo do homem também falava – e não era coisa boa não.
Intuí o que estava por vir. Olhar esbugalhado, respiração em alta e crescente, a perna direita cruzada sobre a outra, tremelicando o pé direito pra lá e pra cá…
A solução era bater em retirada.
Mas, com o deixar o Juliano/Carcará sozinho com a presa?
VIII.
Arlindo, o dono do boteco, poderia intervir.
Seria a salvação.
Mal virei o rosto para lhe pedir ajuda e “a salvação” escafedeu-se para dentro da cozinha…
IX.
Foi a senha.
Neste exato instante, as luzes se apagaram e, lá do fundo da cozinha, surgiu um ponto de luz faiscante e um coro de vozes tomou o boteco:
“Parabéns a você…”
X.
Era aniversário do Juliano “Pega, Mata e Come” e a turma lhe preparou uma festinha surpresa. O rapaz que invadiu a cena era um ator contratado para fazer a tal “pegadinha”.
O Julião sequer desconfiou.
Reclamou que só ele não sabia. Quer dizer ele, eu e o rapaz do teatro que sequer imaginou o risco que correu…