Cid Moreira, apresentador do Jornal Nacional por 25 anos, ainda hoje tem pesadelos com a função que exerceu entre 1969 e 1996. Há noites em que sonha que o teleprompter empaca e as letras da noticia a ser lida se apagam à sua frente – e ele fica sem saber o que fazer diante das câmeras. Um vexame que, a bem da verdade, nunca aconteceu diante dos milhões de telespectadores do mais visto telejornal da televisão brasileira.
Em tom de blague, Cid Moreira fez esse comentário recentemente ao ser entrevistado por Amaury Júnior. O apresentador está com 89 anos, 72 dos quais dedicados à profissão.
II.
Achei o relato divertido e diria até que, entre nossos pares, jornalistas da velha-guarda, o fato não é tão raro assim.
Basta encontrar um dos tais para ouvir delírios do mesmo tipo. Meu amigo Fernandão, já me contou, é especialista em sonhar que, entre a finalização da página e a rodagem na impressora, as vírgulas, por livre e espontânea vontade, mudam de lugar a bel prazer. O que dá sentido diverso a tudo aquilo que ele acabara de escrever.
– É um sufoco, cara!
Posso imaginar, respondi.
III.
Para o Escova, o pesadelo recorrente é o sumiço do bloco de anotações após entrevistar o mais importante dos mortais.
Explica-se o temor do velho e notável repórter.
Nós, os da antiga, tínhamos verdadeira ojeriza em levar para as entrevistas um daqueles jurássicos gravadores de rolo, do tamanho de uma caixa de sapato. Era uma tranqueira absolutamente desconfortável.
Ademais, confiávamos no caderninho e em nossa memória. Aliás, esta poderia até falhar. Mas, nas folhas amarfanhadas do bloco, encontrávamos tudo o que precisávamos para uma boa reportagem.
IV.
Não precisam me perguntar, amigos leitores, que vou logo respondendo. Também padeço dessas involuntárias aflições. No meu caso, o terror me atinge quando estou no meio do fechamento da edição na velha redação de piso assoalhado e grandes janelões para a rua Bom Pastor.
Na alucinação, alguém me notifica que o jornal do dia seguinte não vai sair. As páginas sumiram e não chegaram à oficina de impressão.
É um perereco. Um salve-se quem puder. Subo, desço. Corro daqui pra ali, de lá pra cá. Pergunto – e ninguém responde. Vou ao past-up, à fotomecânica, invado a oficina – e… desperto dando graças ao bom Deus que não corro mais esse perigo.
Ufa!
V.
Junto com o alívio, é inevitável: minutos depois, um vazio vai se ‘aprochegando’ e se instala, em mim, uma imensa saudade do tempo em que se era feliz e não sabia.