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Porque imagino junho como sinônimo de liberdade *

"Assim há que ser ter estilo" (Padre Vieira)

01. Nos tenros anos da infância e adolescência, os alunos dos colégios Maristas tinham motivos de sobra para saudar a chegada de junho. Se as provas bimestrais assustavam, a proximidade das férias de julho garantia a saborosa sensação de estar livre para jogar futebol, empinar "papagaio", rodar pião; enfim ser feliz. Para melhorar o espírito da garotada — eu inclusive –, o 6 de junho era feriado — e que feriado. Consagrado à memória e reverência do fundador da congregação, o então beato (agora santo) Marcelino Champagnat, vivia-se um dia de festa, com o futebol rolando solto nos dois campinhos de terra batida que existiam no Colégio Nossa Senhora, aqui pertinho no Cambuci. Lembro que era a única manhã em que acordava antes do pai me chamar e ficava ansioso pela chegada do bonde que me levaria da rua Bom Pastor à rua Lavapés. Ainda agora tento descrever, mas não consigo, a delícia de entrar em campo com o uniforme de camisas listradas em azul e branco do Glória. Quanto encantamento…

02. Nos inquietos anos da juventude, tinha outra — mas também claríssima — noção de liberdade. Nada me impedia de fazer o que bem quisesse, embora quase sempre deixasse tudo por fazer. O que convenhamos é a verdadeira legitimação do conceito "ser livre". Uma certa manhã, recomendado por alguém importante, lá fui eu para o meu primeiro dia de trabalho como datilógrafo num escritório de contabilidade ou algo do gênero. Não cheguei a sequer esquentar a cadeira. Uma hora depois deixei a sala abafada pela fumaça de cigarro para nunca mais voltar. Hoje talvez pudesse alegar que o ruído dos teclados incandescentes me estressou, mas a palavra não existia naquele tempo. Sai sem dar bom dia, aliás como cheguei. E ninguém reparou ou sequer lamentou (afora meus pais, claro)…

03. Há quem diga que o conceito de liberdade para a minha geração não fosse além de uma calça velha, azul e desbotada. Ou que éramos libertários demais, responsáveis de menos. Sei, não. Quando embiquei para os quarenta, coincidência ou não, comecei a me incomodar com algumas "armadilhas" em que o destino havia me enredado. Os terapeutas do comportamento acham natural que, a essa altura da vida, o cidadão faça uma espécie de avaliação do que fez ou deixou de fazer. Alguns amigos, mais debochados, reforçavam a gozação. Diziam que de tão distraído nem me dei conta que esses desvãos sempre existiram. E mais grave: sempre existirão. A vida é assim, cara.

04. Muitas vezes, tomei esses comentários como uma forma de pressão, de enquadramento às regras do jogo social. Mas, confesso: pode ser difícil ser o que se é, mas ainda é a melhor coisa que uma pessoa pode fazer por ela mesmo. E bom chegar ao cinqüenta e quequérecos. Não há o que lamentar. Distrações, contradições e sonhos são formas de liberdade. Diria o mago: fazem parte do caminho. Diria o meu saudoso avô, o maior de todos os pecados é o arrependimento.

* Olhei o calendário hoje pela manhã e bateu uma saudade danada deste texto que escrevi, em junho de 2003, quando ainda trabalhava na Gazeta do Ipiranga. Foi um dos meus últimos "Caro Leitor", coluna semanal que começou em 1979 e deu origem ao meu primeiro livro "Às Margens Plácidas do Ipiranga". Outro dia comentei com meus alunos sobre esse texto – e hoje resolvi replicá-lo aqui.

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