Foto: Jô Rabelo
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Esses quase 21 anos de autoritarismo causaram danos consideráveis em todos nós. Houve
quem viveu mais de perto os demandos do arbítrio e da prepotência. Houve também quem sofreu na
própria pele a violência da ditadura, muitas vezes impiedosa para com os adversários. Foram tempos obscuros, onde se alastraram, como devastadora praga, o vazio cultural e político, a tecnocracia
oportunista, a corrupção, a impunidade e a debaclèe econômica e social.
(Caro Leitor, 18.01.1985)*
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Tomara mesmo que a Nova República que hoje se inaugura, com a posse do presidenteTancredo Neves seja verdadeiramente marco de um novo tempo. Melhor ainda se for, como se presume, não apenas de Tancredo e equipe, mas, sim, a Nova República de todos os brasileiros.
(Caro Leitor, 15.03.1985)*
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Andava cheio de expectativas, amigos.
Naquele início do santo e democrático ano de 1985.
Que saudade daquele tolo encantamento, daquele tíbio acreditar.
A pena estava afíada.
Inevitavelmente meus escritos na coluna semanal que assinava (o nosso Caro Leitor) saudava o tema do momento: a vitória de Tancredo Neves no abominável Colégio Eleitoral e, consequentemente, o fim da borrasca ditatorial que nos assolou por 21 anos.
Não há mal que nunca acabe.
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Na quinta-feira, dia 14, em que nós do jornal preparávamos a edição do dia seguinte, que anunciaria a posse de Tancredo, estávamos plenos de confiança. Prenunciava-se um novo e bom tempo para todos os brasileiros.
Fiz minha parte como editor, orgulhoso.
Escolhi a melhor foto do Doutor Tancredo para tomar quase toda a primeira página. Projetei-a no diagrama com quase 25 centímetros de altura.
Um verdadeiro escândalo gráfico!
Ao lado, o texto que a contornava era o editorial do jornal. Fiz a redação final e vivenciei a incrível sensação de estar cumprindo minha função social.
Como jornalista, anunciava o fim da ditadura no País.
Sentia- me um privilegiado…
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A lamentar que o dia seguinte nos reservasse a ingrata surpresa.
Tancredo não tomou posse.
Ficamos com José Sarney.
Mas, querem mesmo saber?
Sobreviveu a esperança.
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Quase 40 anos depois, não sei bem o que escrever.
Difícil acreditar.
Parece que tornamos ao pesadelo.
De novo, a República das Bananas?
Ou desta condição nunca saímos?
Brasil mostra tua cara.
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Leio as notícias que dão conta do desbarateamento pela a Polícia Federal da trama de novo golpe às instituições democráticas como consequência da eleição do presidente Lula em novembro de 2022. Estava sendo urdida, às sombras dos quartéis, por grupos militares capitaneados por altas patentes. Incluíam os assassinatos do presidente, do vice Geraldo Alckmin, do juiz Alexandre de Moraes e sabe-se lá mais quem.
(As investigações ainda não terminaram.)
Os golpistas e seus asseclas só não queriam abrir mão do Poder.
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Inevitável a tristeza, meus caros.
Inevitável o constrangimento e o desalento.
Cadê o país do futuro?
A nação contemporânea, cadê?
Faço essas e outras perguntas para as quais não tenho a mais vã resposta.
Pior.
Diante da gravidade dos fatos expostos e anunciados, como preservar uma réstia de esperança que ilumine os novos dias?
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Leio agora o que escrevi às vésperas daquele 15 de março histórico:
Um grande País forja-se na atuação do povo e dos governantes nos momentos de maior
relevância. Tomara estejamos todos à altura deste 15 de março.
Só hoje, amigos, me dou conta que tanto naqueles dias, como hoje, assobravam-me mais dúvidas do que certezas sobre o Brasil e os brasileiros.
Nada mudou. Nada tão cedo mudará.
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* Trechos das crônicas Custou Muito aos Brasileiros e A Nova República, que estão incluídas no meu primeiro livro Às Margens Plácidas do Ipiranga, lançado em 1997.
O que você acha?