Quando Getúlio Vargas morreu – dizia-me o Velho Marques, meu primeiro chefe – o Partidão fez uma edição extra do jornal, com a seguinte manchete em letras garrafais:
“Que o Povo saia às ruas
E tome para a si os destinos da Pátria”
Ele próprio, Marques, era o redator-chefe do valente Notícias de Hoje. Toda vez que nos contava essa história, ainda nos anos 70, quando vivíamos os dias tristes do regime ditatorial, era possível captar a emoção de suas palavras, a esperança em seus olhos.
Cobriram a cidade distribuindo a edição/panfleto:
– Foi um gesto quixotesco, reconhecia ele; muitas vezes ao lado do amigo Zé Jofre, companheiro de tantas batalhas perdidas, mas nunca inglórias.
Havia um sonho. Um projeto de Nação.
Havia sobretudo um povo.
II.
Faço uma releitura da obra do jornalista Lira Netto sobre a vida de Getúlio Vargas, o ditador que virou presidente, e encontro muitos pontos comuns com o momento atual.
Não é exatamente igual, óbvio. Mas, é muito parecido.
É ter olhos para ver, e ouvidos para ouvir.
III.
O que me preocupa nessa história nossa de todos os dias é o desalento que nos assombra a cada novo capítulo. Em cena aberta, os atores políticos, quando tomam a palavra, pronunciam-se em prol dos próprios interesses, do próprio futuro político.
Pensam em si, e somente em si.
O descaramento rola ladeira abaixo
Como acreditar que algum horizonte, minimamente tranquilo, se avizinhe caso temers, bolsonaros, aécios, caiados, dórias, cunhas, paulinhos, skafs, marinhos, civitas, frias, mesquitas, cupinchas e assemelhados falem por nós e se apoderem de um Poder, de uma legitimidade, que as urnas não lhes deram?
Aliás, penso que esta é a palavra: vivemos uma descomunal crise de legitimidade institucional.
IV.
Triste sina: uma dessas instituições, a Grande Imprensa, representa o papel de fósforo no paiol de palha encharcado de gasolina.
A História não há de lhe perdoar.
V.
Na reestreia de seu programa, Jô Soares disse que não é possível distinguir sequer a luz no fim do túnel.
Explicou: nos dias que correm nem o túnel enxergamos.
Mesmo assim, entrevistou a sempre candidata Marina (que pediu eleições gerais imediatamente, por que será?) e o jurista Ives Gandra da Silva Martins que, na maior desfaçatez, conjecturou que não há golpe em andamento no País.
Particularmente, para este humilde escriba, o golpe está em andamento desde o exato momento em que as urnas – em outubro de 2014 – referendaram Dilma presidente do Brasil para um segundo mandato.
Os derrotados não se conformaram…
VI.
Enfim…
Sem a capacidade de sonhar, sem qualquer projeto em vista e na ausência do Marques, do Zé Jofre e dos velhos amigos da Redação, recorro a Paulo Freire para retomar o passo que faz o caminho:
“Quem melhor que os oprimidos, se encontrará preparado para entender o significado terrível de uma sociedade opressora? Quem sentirá, melhor que eles, os efeitos da opressão? Quem, mais que eles, para ir compreendendo a necessidade da libertação?”