Valho-me de uma colaboração de um leitor para tocar a conversa de hoje.
Desconfio que ele se sensibilizou com o dilema que ontem aqui apresentei e me encaminhou uma crônica do jornalista e escritor Otto Lara Resende, publicada nos idos dos anos 90 na página 2 da Folha de S.Paulo.
(Fiquei lisonjeado, mas não entendi bem o recado.)
II.
A partir dos depoimentos de grandes cronistas da nossa história, Resende se propõe a responder a seguinte pergunta:
“A crônica morreu ou está morrendo? ”
Rachel de Queiroz, a notável escritora e cronista, mostrou-se indiferente ao tema:
“Nunca havia pensado na morte da crônica” – ponderou.
Outro notável, Paulo Mendes Campos, viu indícios da influência da linguagem da TV e do rádio
(vale lembrar que o mundo ainda não se valia da internet – e, portanto, das famigeradas redes sociais) na feitura da cabeça dos antigos leitores.
“O pessoal hoje procura uma leitura mais fácil”.
Fernando Sabino, mineiramente carioca, seguiu a mesma linha de pensamento:
“Vivemos uma época de comunicação mais objetiva, mais agressiva”.
Conclui que a crônica segue caminhos mais amenos, mais sutis, embora não seja exatamente um gênero literário.
III.
Carlos Drummond de Andrade desconversou total:
“Faço prosa para o jornal para ganhar a vida”.
O mesmo discurso de Clarice Lispector:
“Não sou cronista. Escrevo no jornal para ganhar a vida”.
Nélson Rodrigues foi mais contundente:
“Ninguém morreu. Nem o romance, nem a poesia, nem o teatro, nem a crônica”.
Aproveitou para provocar:
“Se o público abandonou certos cronistas, é porque nada tinham a dizer. O silêncio lhes assenta bem”.
IV.
Nélson foi o único a não citar Rubem Braga, considerado nosso melhor cronista. Todos os demais reconheceram Braga como o pioneiro no gênero, como ainda hoje o entendemos (ou tentamos entender).
Para Sabino, existem Rubem Braga e os imitadores do Rubem Braga.
Clarice bateu na mesma tecla:
“Crônica é um gênero que o Rubem Braga criou”.
V.
Consta que o Otto, à época, procurou o próprio Braga e, em uma roda de amigos, fez a pergunta:
Rubem resmungou algumas palavras que, a bem da história, ninguém entendeu.
*** NOTA do autor:
O título da coluna de Otto Lara Resende é “A defunta, como vai? ”. Foi publicada em 22 de fevereiro de 1992 e consta da coletânea “Bom dia para nascer”, editado pela Companhia das Letras, em 2011. Reúne as crônicas escritas para o jornal Folha de S.Paulo, entre 1991 e 1992. Com seleção e posfácio de Humberto Werneck.